01
de setembro de 2013 | N° 17540
PAULO
SANT’ANA
O autocanalha
Estive
matutando sobre por que as pessoas mentem.
É
óbvio, mas mentem para fugir à responsabilidade. Mentem para escapar de serem
acusadas de falar a verdade, e nada mais dói muitas vezes do que expor a
verdade.
Eu,
por exemplo, me sinto incapaz física e espiritualmente de saber a verdade a meu
respeito. Tenho medo de que, dizendo o que pensam de mim, as pessoas de repente
me revelem um salafrário, um sacripanta, um inconfiável.
Já
pensaram os meus leitores sobre o que pensam sobre eles as outras pessoas? Será
que estamos preparados para o golpe brutal de nos conhecermos a nós próprios
pelo que pensam de nós os outros?
Nós
podemos ter uma bela ideia sobre nós que será energicamente desmentida pela
opinião dos outros. Que choque gigantesco essa opinião alheia produziria sobre
nós!
Estaria
eu, por exemplo, gabando-me a mim mesmo do meu excelente caráter, quando
sobreviriam opiniões de pessoas que me conhecem bastante e que atestariam que
tenho um péssimo caráter. Já pensaram na pororoca que isso poderia causar em
mim?
Eu
me achava solidário e as pessoas vieram me dizer que sou um egoísta. Eu me
achava caridoso e as pessoas se prontificaram a me atirar na cara que todo o
dinheiro que junto reverto para meu bem pessoal e não tiro nem um naco das
minhas economias para ajudar os outros.
Eu
me considerava altruísta e as pessoas me provaram que meus sentimentos são
rasteiros e que não tenho princípios, navego na existência ao sabor dos ventos
sem fixar-me nas mais elementares regras de solidariedade humana.
Vejo
agora, confrontando o que penso de mim e o que pensam os outros, que não tenho
clemência, que não tenho paciência com os outros e, principalmente, desconheço
a regra primária de colocar-me no lugar dos outros antes de eu julgar seus
atos.
É
muito chato a gente bater de frente assim com a própria consciência. Tudo o que
queria era poder não ter de defrontar-me assim com minha consciência.
Que os
outros me julguem, isso eu tiro de letra, mas ter, de repente, de julgar-me a
mim próprio é um exercício que está se tornando cruento para mim: o bom, o
confortável é julgar os outros – e de repente sou chamado pela consciência a
julgar-me a mim próprio.
Será
que tenho isenção para julgar a mim próprio? Não correrei o risco da
autoindulgência? Da autocompaixão? Faltar-me-á
certamente isenção para um autojulgamento. Será que nesse encontro comigo mesmo
não acabarei concluindo que sou um canalha?
Ou, então,
que estarei sendo um patife ao me preocupar mais comigo do que com os outros?
Ou,
então, que é um argumento de escape meu considerar que tenho mais obrigações
comigo do que com os outros, definindo-me como um canalha perfeito quando digo
que, se eu não cuidar dos meus interesses, os outros é que têm menos dever de
fazê-lo, ora bolas!
Não
é essa uma posição confortável em que sempre se colocam justamente os
antissolidários?
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