quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Jairo Marques.

Alguém para se inspirar

Não há novas canções que façam a juventude caminhar contra o vento; nada faz muito sentido

Meu grande amigo Benê, motorista aqui do jornal, soltou o que para mim foi o melhor resumo do sucesso da visita do papa ao Brasil: "A gente anda muito carente de coisas boas, de pessoas que façam algo que nos inspire. Com tanta simpatia e tanto carisma, o Francisco encantou o povo".

Passei o resto do dia matutando sobre a sentença do meu parceiro de trabalho, que tem sangue espanhol, coração de felicidade e fala mais do que papagaio na chuva.

Na música, não consigo ver gente à moda Caetano, Chico ou Vinicius. Não há novas canções que façam a juventude caminhar contra o vento, os desanimados cantarem que ser alegre é melhor do que ser triste, os românticos declararem que irão amar devagar e urgentemente.

Ligo o rádio e só o que ouço é um tal de "prepara que, agora, é hora do show das Poderosas" ou "uísque, água de coco, para mim, tanto faz". Nada tem muito sentido ou faz a gente ganhar um tiquinho de força para encarar o dia, para enfrentar a noite.

Bingo para a Galinha Pintadinha, mas ninar um bebê tão gostoso como fazia a voz de Caymmi em "boi, boi, boi" não se encontra mais. Brincar com a imaginação com uma casa muito engraçada sem porta, sem janela, ao som macio e elegante de Toquinho, também não vejo possibilidades.

Posso concordar que esse meu discurso seja de um saudosista ou um choro de muito dodói para pouco mertiolate, como me disse uma leitora dia desses, mas arregalo os olhos buscando novas fontes para melar a alma de vigor, de paixão por tudo, de sorriso por nada, mas não encontro.

Que delícia era se fartar de inspiração para amar lendo aquilo que o Drummond escrevia a respeito do tão esperando dia em que chega aquela alma luminosa: "Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida".

Hoje, as meninas têm gostado é das variações do cinza, de blogs de maquilagem e de vídeos engraçados do Porta dos Fundos. Tudo muito rápido, prático, debochado e incolor. Para amanhã, pouco irá restar na memória e quase nada se guardará para sempre.

Temo pelo dia em que as bancas de flores irão sucumbir diante da força dos presentes tecnológicos e que os cartões dos ursinhos carinhosos, cheios de perfume e de marcas de batom, vão estar estacionados em museus em vez de guardados em lembranças de grandes amores.

E essa toada de letargia de fazer por onde borboletas se alvorocem na barriga e grilos saltitem pelo cérebro vai atingindo a todos, mas principalmente aos que mais precisam de energia para transformar tudo aquilo que desanda pelo mundo.

Professores, enfadados de ganhar pouco e serem hostilizados por alunos, não têm mais o vigor de ensinar que a vírgula jamais poderá separar o sujeito do predicado e, assim, Maria sonhará eternamente com José.

O médico não quer olhar na cara e muito menos explicar a doença, o político não quer parar de roubar nem trabalhar às sextas-feiras, o cozinheiro nem pensa em dividir o bolo e jornalista não colhe notícia boa.

Está lançado o movimento "Alguém para se inspirar".


jairo.marques@grupofolha.com.br

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