26
de agosto de 2013 | N° 17534
L.
F. VERISSIMO
Hipócritas
Vivemos
sob o signo da hipocrisia. A volta da democracia no Egito, com a queda do
Mubarak e a primeira eleição livre em muitos anos, foi saudada por todo o mundo
como um desabrochar primaveril. Só uma coisa deu errado: ganhou a eleição quem
não deveria. A Irmandade Muçulmana no poder só deu razão a quem diz que islã e
democracia são incompatíveis, ou aos que dizem que a democracia é linda mas não
pode ser suicida.
Veio
o golpe dos militares, que nunca deixaram de ser a única força política
consequente no Egito, e cujo objetivo declarado não é só substituir os
muçulmanos no poder mas acabar, literalmente, com eles. Os líderes muçulmanos
estão presos e seus seguidores sendo assassinados nas ruas, à vista do mundo
inteiro, que faz sons protocolares de reprovação, mas não quer se meter.
Os
Estados Unidos, que sustentavam a ditadura Mubarak e há anos sustentam, com
dinheiro e material, o exército egípcio enquanto pregam democracia para todos –
sem exageros, claro –, não sabem até onde levar sua “realpolitik”, que é o nome
pomposo da hipocrisia.
Mas
se, num acesso de autocrítica, os americanos cortarem a ajuda para o massacre,
não faltará ajuda das petromonarquias da região, como aquele outro exemplo de
democracia relativa apoiada pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita; enfim, as
primaveras, como a democracia, são lindas, mas também podem ser vésperas de
verões infernais.
Essa
meleca – e a meleca maior que é toda a situação no Oriente Médio incluindo a
questão Israel/palestinos – é fruto de muitos anos de hipocrisia, começando com
a hipocrisia das potências imperialistas, que pilharam meio mundo disfarçados
de evangelizadores e civilizadores, e, no caso do Oriente Médio, chegaram a
impor fronteiras e inventar países.
A
própria geografia da interminável crise em que vive a região é uma herança da
passagem dos ingleses, que deixaram o lixo da sua farra para trás. Mas tanto os
países artificiais quanto os históricos, como o Egito, tiveram culpa pela sua
desgraça atual. Nos anos 60 e 70 ensaiou-se a criação de uma nova ordem
econômica mundial, independente da ordem sacramentada pelo neoimperialismo
anglo-americano.
Os
dólares do petróleo financiariam essa tentativa de emancipação dos pobres. Mas
não aproveitaram a abertura. Os emires apoiavam a ideia da revolta em tese, mas
continuaram aplicando seus lucros no sistema bancário dominante. E o
neoimperialismo, enquanto exaltava a democracia liberal, se encarregava de
impedir qualquer alternativa para o seu domínio. No Egito, agora, os hipócritas
se impõem criminosamente. Quem diria que toda a história recente do mundo
caberia numa letra de bolero?
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