sábado, 3 de agosto de 2013


03 de agosto de 2013 | N° 17511
CLÁUDIA LAITANO

Onde está Amarildo?

A pergunta do título remete à sombria memória dos desaparecidos políticos. Como Argentina e Chile, também o Brasil assistiu por algum tempo à macabra rotina dos desaparecimentos inexplicados e inexplicáveis. Amarildo, porém, tem muito pouco em comum com os desaparecidos dos tempos da ditadura – muitos deles egressos da classe média e movidos por alguma espécie de ideologia. A única ideologia que Amarildo representa é a da sobrevivência.

O ajudante de pedreiro que desapareceu no dia 14 de julho depois de ter sido confundido com um traficante e levado por quatro recrutas para a sede de uma UPP na favela da Rocinha, no Rio, vivia de biscates, nunca aprendeu a ler e ganhou o apelido de “Boi” porque era capaz de carregar dois sacos de cimento nas costas de uma só vez.

Apesar de morar numa área dominada pelo tráfico, Amarildo não era criminoso. Também não tinha carteira de trabalho ou renda fixa. Como os habitantes do Brejo da Cruz da canção do Chico, Amarildo e a família se alimentavam de luz. Tão distantes dos celulares pré-pagos e dos carnês nas Casas Bahia quanto nós de um iate em Angra.

Será preciso incluir no saldo das manifestações de 2013 o crédito por ter dado a uma história tristemente banal um rosto e um nome. Um nome, aliás, em tudo brasileiro – da raiz que soa como “amar” (mas na verdade vem da palavra latina “amarus”, que significa amargo), ao sufixo que, no Brasil, é marca registrada de origem social.

Amarildos dão em árvore por aqui. Cordiais, têm filhos que não estudam, doenças que não são tratadas e quando por algum motivo eles criam problemas, reais ou imaginários, é fácil convencê-los de que a lei que vale para os outros não é exatamente a mesma que vale para eles.

O sumiço do Amarildo tinha tudo para não dar em nada porque antes de desaparecer ele já era invisível – e a hipótese de o seu desaparecimento causar algum tipo de comoção pública era tão provável quanto a de ele ficar rico jogando na loteria. O acirramento político das últimas semanas, porém, mudou sua sorte. Amarildo sumiu de casa e reapareceu como slogan. Tornou-se causa, bandeira de protestos, desconforto incontornável para a polícia e o governo do Rio.

É provável que nem ele nem a sua família igualmente invisível tirem algum proveito da súbita celebridade. Seria um acontecimento histórico, se não um consolo, se a repercussão inesperada do caso tornasse esse tipo de tragédia cada vez mais difícil de aceitar, e o nome “Amarildo” se tornasse uma espécie de “Vladimir Herzog” dos desaparecidos sociais.


Amarildos não escolhem sua invisibilidade. Mas nós sempre podemos decidir se vamos vê-los – ou mais uma vez fechar os olhos.

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