MARCELO
COELHO
Mais vilões, por
favor
O
vilão é uma espécie de coadjuvante no que se torna, antes de tudo, um filme
catástrofe
Vilões
não faltavam nos filmes alemães, antes da chegada de Hitler ao poder. Caligari,
Mabuse e o Vampiro de Dusseldorf são os personagens mais famosos de uma galeria
de hipnotizadores e psicopatas que passou para a história do cinema.
Num
livro clássico sobre o assunto, "De Caligari a Hitler", o crítico
Siegfried Kracauer (1889-1966) observou que, embora houvesse muitos criminosos,
era insignificante o número de detetives.
Kracauer
é sempre um pouco rápido nas generalizações. Para ele, a ausência de detetives
era sinal de uma certa instabilidade no processo civilizatório da Alemanha.
Democracias
mais sólidas, como a Inglaterra, podiam perfeitamente imaginar cavalheiros
capazes de restituir a lei e a ordem sem movimentar um músculo, como Sherlock
Holmes e Hercule Poirot.
Pelo
que me lembro das antigas histórias em quadrinhos, Batman também era,
sobretudo, um detetive. Claro que, desde o começo, precisava realizar algumas
proezas físicas com a "batcorda".
Além
disso, seus inimigos eram tão mascarados e exóticos quanto ele, o que sem
dúvida levou a que o seriado de TV dos anos 1960 desandasse numa verdadeira
festa de Carnaval.
Não
deixava de ser uma forma de simetria, no fundo. Um detetive irreal só poderia
enfrentar inimigos na sua própria frequência de onda, e a ordem que ele
restabelecia era quase tão fantástica quanto a desordem idealizada pelo Pinguim
ou pelo Charada.
Há
um bom tempo, de qualquer modo, a figura do detetive perde importância na
cultura americana; lá o que conta é o super-herói.
Não
poderia ser diferente, aliás, dado o fato de que os detetives clássicos
americanos, mais realistas do que os ingleses, costumavam fracassar nas suas
missões, transitando entre bebedeiras, mulheres, corrupção geral e ambiguidade.
Com
a ascensão do super-herói, foi preciso inventar o supervilão. Não bastava o
criminoso refinado, nem mesmo o assassino em série.
Teria
de ser alguém com ambições de domínio mundial -e a ordem a ser restaurada não
era mais a de um tranquilo bairro metropolitano, mas sim a de um planeta onde
os Estados Unidos pudessem imperar sem ameaças.
Vendo
o último filme de Batman, logo depois de ter assistido a "Os
Vingadores", percebo que o sonho de dominar o mundo, que ocupava
cientistas malucos e gênios ressentidos, já não é suficiente para sustentar a
história.
Provavelmente
a coisa ganhou força depois do 11 de Setembro: convergem, contra os
super-heróis contemporâneos, inimigos que são ao mesmo tempo gênios do mal,
invasores extraterrestres e gigantescas alterações no equilíbrio ecológico.
O
vilão é uma espécie de coadjuvante no que se torna, antes de tudo, um filme
catástrofe. O domínio do mundo já se provou impossível: trata-se, agora, de
destruí-lo.
Certo,
você pode dizer que Bane (Tom Hardy) é um tremendo vilão; mas não quero
argumentar dando detalhes do final do filme, cuja surpresa resulta um bocado
artificial e decepcionante.
Seja
como for, a proporção dos perigos e das ameaças é tão gigantesca nesse filme,
que uma boa vilã de antigamente, a Mulher-Gato (Anne Hathaway), termina
reduzida a uma ladra de joias bastante sofisticada, como se fosse uma
ressurreição nostálgica de um tempo em que só os milionários tinham algo a
temer.
Ao
mesmo tempo que a ameaça atinge dimensões planetárias, os poderes de Batman vão
diminuindo, e há momentos do filme em que o super-herói se reduz à surrada
condição dos Marlowes e Spades das novelas policiais realistas de 1930.
Realismo
numa ponta (herói espancado, corrupção policial), fantasia científica na outra
(super-reatores, explosões planetárias). Entre os dois, a ameaça de uma espécie
de revolução organizada por milícias criminosas, algo entre a Al Qaeda e o
Comitê de Salvação Pública de Robespierre.
Com
perigos tão fantasiosos, e heróis tão manquitolas, quem sabe aquele atirador do
Colorado, que matou 12 pessoas na estreia de "Batman", estivesse com
uma pergunta no inconsciente.
"Onde
estão os vilões? Onde estão, para que eu possa destruí-los?" Olhou à sua
volta; não eram todos os possíveis, mas atirou em quem estava mais perto.
coelhofsp@uol.com.br
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