quinta-feira, 16 de agosto de 2012


CONTARDO CALLIGARIS

"Paidrastos" (e "mãedrastas")

Mesmo um padrasto atencioso se esquece de seus enteados assim que ele se separa da mãe deles

Domingo passado foi Dia dos Pais -como disse R., 9 anos, é o dia em que o pai dá um dinheiro para que a mãe compre um presente para ele, o qual será entregue pelas crianças.

Esta coluna chega com um pouco de atraso; por isso, é sobre os pais do segundo turno: os padrastos.

Não encontrei uma estatística que me dissesse quantas famílias, no Brasil, vivem com filhos de casamentos anteriores de um dos pais ou de ambos (talvez um leitor sociólogo possa me ajudar).

Mas é fácil constatar que muitas famílias são hoje compostas de pais, filhos e, como se expressou uma vez um de meus enteados, de "paidrastos" e "mãedrastas". O tema, claro, mereceria mais do que estas pequenas notas.

Sobre as madrastas, só o essencial: o homem que tem filhos de um casamento anterior acredita cegamente que sua nova mulher os amará como se fossem filhos dela (ser mãe, para uma mulher, seria um instinto irresistível). O pai de Cinderela, mesmo vivo, não se daria conta de que sua filha era a rival detestada e perseguida pela sua nova mulher e pelas suas enteadas.

Ora, com várias exceções (claro), para a nova mulher, os filhos do casamento anterior do marido são rivais, irmãozinhos metidos que disputam com ela o amor do "pai" comum -isso vale especialmente quando ela tem filhos de um casamento anterior ou planeja ter mais filhos no novo casamento.

Mas vamos aos padrastos, que são o nosso tema do dia.

1) Apesar dos testes de DNA, ser pai continua sendo uma questão mais simbólica que real, ou seja, o pai ainda é aquele que a mãe indica como pai. Uma consequência disso é que os homens são perfeitamente capazes de se esquecer de seus filhos depois de uma separação (a não ser que a mulher continue lhes repetindo, noite e dia, que eles são os pais das ditas crianças).

Por essa mesma razão, os homens são facilmente padrastos atenciosos -basta que a nova mulher lhes atribua essa função. Agora, por serem "atenciosos", eles não são menos precários: como acontece no caso dos próprios filhos, o laço do homem com seus enteados é subordinado ao laço com a mulher que é mãe deles. Em outras palavras, se o padrasto se separar da nova mulher, dificilmente ele manterá uma relação com os enteados, mesmo que eles tenham se criado com ele durante anos.

Triste? Talvez. Mas já imaginou a complicação no caso de vários casamentos sucessivos? Que tal um almoço de Dia dos Pais com pai, padrasto 1, padrasto 2 e padrasto 3?

2) Disse que os homens são facilmente padrastos atenciosos. Justamente, aqui surge um problema: ao redor da educação dos enteados, o padrasto quase sempre descobre que há, entre ele e sua nova mulher, diferenças de valores -que só aparecem na hora de cada um mostrar seus dotes pedagógicos. No eventual conflito, o padrasto está, de fato, quase impotente.

Primeiro, se ele quiser impor regras, a nova mulher entenderá isso como análogo ao que ela mesma gostaria de fazer com os filhos do casamento anterior do marido -ou seja, ela achará que o marido usa uma severidade seletiva, que ele nunca aplicaria aos seus próprios filhos.

Segundo, educar implica correr o risco de ser detestado -risco que um pai deve correr sem hesitação; mas o padrasto precisa e quer conquistar a simpatia dos enteados, sob pena de ouvir o fatídico: "Você não é meu pai!".

3) Os enteados não são anjos. Num primeiro momento, todos eles podem festejar a recomposição de um quadro familiar, seja ele qual for. Logo, os meninos tendem a se tornar paladinos da honra materna e paterna (como é que a mãe se interessa por outro homem que não seja eu? Quem é este cara que quer ocupar o lugar do meu pai?).

Quanto às meninas, elas oscilam entre três caminhos: lamentam que a mãe, e não elas, conquiste todos esses homens; receiam que, aceitando o padrasto, elas trairiam o pai e seriam desamadas por ele; enfim, bem mais do que os meninos, elas não querem compartilhar a mãe com ninguém.

A experiência do divórcio dos pais criou jovens interessantes. A sensação de que eles não foram uma razão suficiente para que os pais ficassem juntos produziu, em alguns, uma insegurança doentia para a vida toda, mas, em outros, deixou um fundo de sabedoria melancólica que resiste bravamente às ideias narcisistas mais estupidamente grandiosas.

Quanto às complexidades da vida numa segunda ou terceira família, está na hora de considerar suas consequências para as crianças e os adultos que delas virão. Voltarei ao tema.

ccalligari@uol.com.br

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