CONTARDO
CALLIGARIS
"Paidrastos" (e
"mãedrastas")
Mesmo
um padrasto atencioso se esquece de seus enteados assim que ele se separa da
mãe deles
Domingo
passado foi Dia dos Pais -como disse R., 9 anos, é o dia em que o pai dá um
dinheiro para que a mãe compre um presente para ele, o qual será entregue pelas
crianças.
Esta
coluna chega com um pouco de atraso; por isso, é sobre os pais do segundo
turno: os padrastos.
Não
encontrei uma estatística que me dissesse quantas famílias, no Brasil, vivem
com filhos de casamentos anteriores de um dos pais ou de ambos (talvez um
leitor sociólogo possa me ajudar).
Mas
é fácil constatar que muitas famílias são hoje compostas de pais, filhos e,
como se expressou uma vez um de meus enteados, de "paidrastos" e
"mãedrastas". O tema, claro, mereceria mais do que estas pequenas
notas.
Sobre
as madrastas, só o essencial: o homem que tem filhos de um casamento anterior
acredita cegamente que sua nova mulher os amará como se fossem filhos dela (ser
mãe, para uma mulher, seria um instinto irresistível). O pai de Cinderela,
mesmo vivo, não se daria conta de que sua filha era a rival detestada e
perseguida pela sua nova mulher e pelas suas enteadas.
Ora,
com várias exceções (claro), para a nova mulher, os filhos do casamento
anterior do marido são rivais, irmãozinhos metidos que disputam com ela o amor
do "pai" comum -isso vale especialmente quando ela tem filhos de um
casamento anterior ou planeja ter mais filhos no novo casamento.
Mas
vamos aos padrastos, que são o nosso tema do dia.
1)
Apesar dos testes de DNA, ser pai continua sendo uma questão mais simbólica que
real, ou seja, o pai ainda é aquele que a mãe indica como pai. Uma consequência
disso é que os homens são perfeitamente capazes de se esquecer de seus filhos
depois de uma separação (a não ser que a mulher continue lhes repetindo, noite
e dia, que eles são os pais das ditas crianças).
Por
essa mesma razão, os homens são facilmente padrastos atenciosos -basta que a
nova mulher lhes atribua essa função. Agora, por serem "atenciosos",
eles não são menos precários: como acontece no caso dos próprios filhos, o laço
do homem com seus enteados é subordinado ao laço com a mulher que é mãe deles.
Em outras palavras, se o padrasto se separar da nova mulher, dificilmente ele
manterá uma relação com os enteados, mesmo que eles tenham se criado com ele
durante anos.
Triste?
Talvez. Mas já imaginou a complicação no caso de vários casamentos sucessivos?
Que tal um almoço de Dia dos Pais com pai, padrasto 1, padrasto 2 e padrasto 3?
2)
Disse que os homens são facilmente padrastos atenciosos. Justamente, aqui surge
um problema: ao redor da educação dos enteados, o padrasto quase sempre
descobre que há, entre ele e sua nova mulher, diferenças de valores -que só
aparecem na hora de cada um mostrar seus dotes pedagógicos. No eventual
conflito, o padrasto está, de fato, quase impotente.
Primeiro,
se ele quiser impor regras, a nova mulher entenderá isso como análogo ao que
ela mesma gostaria de fazer com os filhos do casamento anterior do marido -ou
seja, ela achará que o marido usa uma severidade seletiva, que ele nunca
aplicaria aos seus próprios filhos.
Segundo,
educar implica correr o risco de ser detestado -risco que um pai deve correr
sem hesitação; mas o padrasto precisa e quer conquistar a simpatia dos
enteados, sob pena de ouvir o fatídico: "Você não é meu pai!".
3)
Os enteados não são anjos. Num primeiro momento, todos eles podem festejar a
recomposição de um quadro familiar, seja ele qual for. Logo, os meninos tendem
a se tornar paladinos da honra materna e paterna (como é que a mãe se interessa
por outro homem que não seja eu? Quem é este cara que quer ocupar o lugar do
meu pai?).
Quanto
às meninas, elas oscilam entre três caminhos: lamentam que a mãe, e não elas,
conquiste todos esses homens; receiam que, aceitando o padrasto, elas trairiam
o pai e seriam desamadas por ele; enfim, bem mais do que os meninos, elas não
querem compartilhar a mãe com ninguém.
A
experiência do divórcio dos pais criou jovens interessantes. A sensação de que
eles não foram uma razão suficiente para que os pais ficassem juntos produziu,
em alguns, uma insegurança doentia para a vida toda, mas, em outros, deixou um
fundo de sabedoria melancólica que resiste bravamente às ideias narcisistas
mais estupidamente grandiosas.
Quanto
às complexidades da vida numa segunda ou terceira família, está na hora de
considerar suas consequências para as crianças e os adultos que delas virão.
Voltarei ao tema.
ccalligari@uol.com.br
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