segunda-feira, 13 de agosto de 2012



13 de agosto de 2012 | N° 17160
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

A superfície da sombra

O mais recente livro de Tailor Diniz revela-nos um autor que usa a excelência de seus meios expressivos. De fato, A Superfície da Sombra (Editora Grua) é o melhor de uma série de 11 obras, e isto é possível de ser constatado, num primeiro plano, pelo refinamento da linguagem, que atinge frases de intensa carga conotativa:

“Nem um som, apenas o estalar da madeira ouvia-se enquanto [Antônio] avançava casa adentro, olhos e ouvidos atentos à quietude de paredes e móveis, como se, a cada passo, estivesse a medir a extensão do silêncio diante de si”(p. 84), ou, ainda, “O ontem não me parecia ontem, parecia uma época longínqua, embaçada pelas poeirentas vagas de um recanto pouco acessível da memória” (p. 67).

Um livro, entretanto, não se faz exclusivamente das luxuosas frases, nem do estilo límpido, nem da propriedade vocabular, nem do cuidado artesanal, nem do forte apelo aos sentidos – qualidades perceptíveis em A Superfície da Sombra; um livro faz-se de um original conteúdo e do perfeito conhecimento do tema; um livro deve dizer por que existe – e o livro de Tailor Diniz é uma lição de como é possível inovar na narrativa literária.

A novela mostra-nos um personagem que se perde nos caminhos do pampa, numa cidade gêmea fronteiriça, em que uma avenida separa o Uruguai do Brasil. É heresia pensar que se trata de Santana do Livramento/Artigas; o autor, com sabedoria, preferiu inventar Poblado Oriental/Passo do Cati, e essa invenção é que justifica a liberdade imaginativa dada ao leitor, que, no começo, participa de uma história de início dolorosa, mas simples: Antônio vai a Poblado Oriental sepultar uma amiga.

Esse é o deflagrador de uma narrativa complexa em que o protagonista se aprofunda num enredo de crescente e angustiante mistério. Ao utilizar a primeira e a terceira pessoas alternadas, o autor dá a seu leitor sístoles e diástoles de aproximação e recuo. Antônio fala em primeira pessoa, mas também ele é visto pelo narrador em terceira pessoa. O que pareceria um preciosismo acadêmico transforma-se num poderoso instrumento de relativização da trama.

Em uma novela com essa qualidade literária, é impossível ser completo na resenha; por isso, deixa-se à imaginação do leitor percorrer o itinerário de Antônio. Uma coisa é certa: não sairá decepcionado. Só isso pode prometer uma autêntica obra de arte. Ler A Superfície da Sombra é um exercício de inteligência, conhecimento e sensibilidade.

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