31
de agosto de 2012 | N° 17178
DAVID
COIMBRA
Roubaram a cidade
O
shopping existe para substituir a cidade perdida. Houve um tempo em que as
cidades eram das pessoas. Dos cidadãos. Agora, as cidades foram roubadas. Então,
os shoppings se ergueram do chão.
Os
shoppings são algo além do que “templos de consumo”, como chamam. Os shoppings
são símbolos. Quanto mais shopping, menos cidade.
Não é
por acaso que Porto Alegre é florescente em shoppings. Porto Alegre foi roubada
dos porto-alegrenses. Esse é o maior crime dos bandidos que espreitam os
motoristas debaixo de semáforos ou sob as sombras das árvores, nas portas dos
edifícios, nas esquinas sombrias.
Eles
tiraram a cidade das pessoas. Os porto-alegrenses sentem medo de caminhar nas
ruas, e uma cidade só existe, de fato, se as pessoas podem caminhar por suas
ruas. Quando as pessoas caminham, exercem sua humanidade, porque elas se veem e
se encontram e trocam experiências.
Verdade
que algumas cidades foram concebidas para o automóvel, não para as pessoas. Como
Brasília. Brasília é um monumento à burrice urbanística. Ou não. Ou a coisa foi
premeditada. Construíram Brasília de forma ardilosa, para que os homens do
poder ficassem a salvo dos humores da população.
Na
antiga capital, o Rio, há muito povo por toda parte. Em Brasília, não. Brasília
é asséptica, apartada do homem comum. O povo é considerado tão inoportuno em
Brasília que mal consegue se deslocar de um lado para outro, devido ao péssimo
serviço de transporte público.
Vi
algo parecido em Joanesburgo, um portento de cidade, com 5 milhões de
habitantes e cem quilômetros de extensão entre uma ponta e outra. Mas é uma
cidade praticamente sem transporte público. Os ônibus são raros, os táxis são
inconfiáveis. Por que Joanesburgo é assim? Porque QUIS ser assim. No tempo do
apartheid, ninguém se importava com quem não tinha carro. Os negros pobres que
se virassem. Joanesburgo ainda sofre com os resíduos do apartheid.
Brasília
também. Só que, em Brasília, não é o branco que se aparta do negro; é o
poderoso que se faz inalcançável. E, em Porto Alegre, o apartheid se dá às
avessas. O contribuinte que vive “dentro” da lei perdeu a cidade para o fora da
lei. Fugiu da rua. Não toma mais mate nas calçadas, como faziam os meus avós.
Não
interage com o vizinho. Não atravessa a rua para ir à venda. Não. Trancou-se
atrás das grades da própria casa, feito um detento voluntário, e, quando sai,
desliza pelas ruas em seu carro com película e tranca automática, olha
desconfiado para os lados e se homizia... nos shoppings. O porto-alegrense foi
banido para os shoppings, onde as pessoas podem caminhar e se ver e se
encontrar. Como deveria acontecer em toda cidade.
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