23
de agosto de 2012 | N° 17170
ARTIGOS
João e a matemática, por Anderson
Machado*
João
escolheu o Direito porque nunca foi bom com números. Tinha extrema dificuldade
para entender a utilidade dos logaritmos e das progressões. Não conseguia descobrir
como o primeiro presidente que viu ser eleito pelo povo lá chegou se ninguém
votara nele. Ao receber o seu primeiro contracheque espantou-se pela forma como
oito haviam se tornado cinco.
Não
entende por que uns não têm férias, enquanto outros têm 30, 60, 120 dias. Tampouco
a razão pela qual, se o ano tem 12 meses e um Natal, alguns abençoados recebem
o 15º salário. Também lhe causa estranheza o teto constitucional, uma vez que
sempre acreditou cegamente que 30, 40, 50 mil reais eram superiores a R$ 26.700.
Para
ele, a soma de vale-isso com bolsa-aquilo apresenta um resultado inexato, atípico
na matemática, e que gera confusão de assistencialismo com escravidão. Ainda se
sur- preende com o resultado sinfônico da adição de 15 a 13.
Quando
os números são aplicados à economia, fica ainda mais difícil a compreensão pelo
bom brasileiro. Não consegue entender como alguém que recebe dois salários mínimos
vai quitar os financiamentos do automóvel, da casa, do celular, e ainda colocar
comida na mesa.
Tenta
descobrir para onde vai a complexa fortuna dos tributos que paga. Aliás, tem
grande dificuldade para visualizar a “justa” repartição das receitas e dos
investimentos na denominada federação em que vive. E quando se trata da inflação,
tida por dominada, procura a razão pela qual consegue comprar cada vez menos
com o seu salário, que é o mesmo há três anos.
E os
presídios que têm capacidade para mil detentos, por que abrigam duas ou três
vezes mais? E o efetivo policial, por que é tão reduzido em relação à população?
E as obras públicas, por que são mais caras e demoradas que as privadas? Ainda,
não entende a separação dos poderes em três, já que muitas vezes parecem um só,
e em outras dois, até seis.
E,
se o Legislativo tem tantos membros, por que o plenário está sempre vazio? E
que cálculo maluco levou ao expressivo aumento do número de vereadores no país
com a estranha garantia de que não haveria geração de novas despesas? E por que
tanto ministro? A propósito, questiona, na Corte Suprema não seriam 11?
De tanto
pensar e calcular, João quase enlouqueceu. Até hoje não compreendeu por que o
futuro por aqui tem apenas quatro anos e nas propagandas políticas os números
parecem sempre iguais. Foi ao psiquiatra e saiu com a receita de alguns
miligramas de veneno lícito, daqueles tolerados pela Lei Seca.
É fim
de mês e ainda tem metas a cumprir e contas que não pode pagar. E a taxa de
colesterol subindo. Cada vez entende menos o mundo de algarismos ao seu redor. Causa-lhe
tristeza saber que também é nada mais do que um número, usado e agraciado na
medida do maior ou menor resultado que possa trazer. E de números, como visto,
João nada entende.
*PROCURADOR
FEDERAL
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