DANUZA LEÃO
Bendita
loucura
É só aparecer a chance de uma viagem para mais ou menos
qualquer lugar que já me alvoroço
Segundo Luiz Felipe Pondé, só os loucos ainda viajam. Dou
total razão a ele, e assumo que sou louca.
É só aparecer a oportunidade de uma viagem para mais ou
menos qualquer lugar que já me alvoroço, e só quando começo a tomar as
providências, tipo quem vai cuidar do meu gato, como pagar as contas no fim do
mês, e mais mil etcs. -e isso é só o principio- percebo a insanidade que é
viajar.
Quando chego ao aeroporto e vejo a fila, penso na minha casa
e tenho vontade de chorar, mas aí não dá mais para recuar.
Para os loucos, como eu, existe a ilusão de que uma viagem é
e será sempre a melhor coisa do mundo -aliás, nunca é-, e quando posso, meu
destino é sempre Paris.
Já vou sonhando com o táxi do aeroporto para o hotel,
geralmente conduzido por um motorista francês tendo, no assento a seu lado, um
cachorro bem grande (em outros tempos, fumando um gauloise). No rádio, bem
baixinho, música clássica; bons tempos.
Da última vez o motorista era um asiático que, além de mal
falar francês e não conhecer a cidade, passou todo o tempo do trajeto falando
no celular, bem alto, numa língua estranha. Foi horrível.
Logo no primeiro dia, fui avisada: "não vá ao Champs
Elysées; não dá nem para andar, de tanta gente, e você ainda se arrisca a ser
roubada". Fala sério: estar em Paris e não poder ir ao Champs Elysées é um
mau sinal. Me privei de ver a avenida mais linda do mundo, mas vi, nos cafés,
restaurantes e museus, multidões; as grandes cidades estão cheias demais.
O mundo está ficando sem graça? Está. Então as viagens
acabaram? Não, não acabaram, mas têm que ser repensadas. Eu ando repensando as
minhas próximas.
Segundo disse Humphrey Bogart a Ingrid Bergman, em
"Casablanca", "we will always have Paris"; nós também
sempre teremos Paris, mas em termos.
A razão pela qual se viaja é para ver cidades com
características próprias, com coisas que só lá se encontram, mas está difícil
encontrar lugares especiais, únicos, já que estão todos tão iguais.
A saída? Estou inclinada a pensar que a solução são as
pequenas vilas, no interior, ainda não contaminadas pela globalização. Vamos
sempre passar por Paris, claro (ouvi dizer que Roma ficou fora de questão, tal
a quantidade de turistas), mas existem lugares deliciosos que ainda não foram
descobertos, onde se pode ser feliz por alguns dias, longe desse insensato
mundo.
Como na Europa os países não têm a dimensão continental do
Brasil, a distância entre duas cidades (e até entre dois países) costuma ser
pequena, o que facilita o deslocamento. Da última vez, deixei Paris e fui parar
em um pequeno vilarejo na Itália com 6.000 habitantes, nada famoso (poderia ter
sido na Espanha, na França, ou em Portugal).
Nele, como em quase todos, havia um pequeno palazzo
abandonado, uma ruína e um café na praça, onde passei horas observando o
vai-vém dos locais; depois, jantei em um restaurante que não está em nenhum
guia, onde comi muito bem e bebi o vinho da região, por metade do preço das
grandes cidades.
Ótimo, pois como dizem os conhecedores da gastronomia,
come-se mal em Paris.
Me senti como num filme de Fellini: os personagens estavam
todos lá, era só olhar para reconhecê-los. Foi uma semana tranquila, que virou
minha cabeça pelo avesso, com todas as fantasias de praxe: viver numa cidade em
que ninguém está conectado, sem ter conhecimento do que está na moda -nem as
comidas, nem os vinhos, nem o último iPad com 350 milhões de programas, nem
nada, num clima de paz total, como deve ser bom; será isso a felicidade?
Impossível saber, mas talvez a resposta seja sim. Talvez.
danuza.leao@uol.com.br
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