segunda-feira, 27 de agosto de 2012



27 de agosto de 2012 | N° 17174
L. F. VERISSIMO

“Tô focado”

Como a matéria do Universo, uma carreira política também se forma do nada. Há casos de vocações políticas claras – líderes comunitários com credenciais indiscutíveis para pleitear cargo eletivo, por exemplo –, mas em muitos outros casos quem pede votos para começar uma carreira política só tem, como credencial, sua vontade – e sua coragem.

Daí esse patético desfile de candidatos no horário eleitoral, com poucos segundos para se apresentar ao eleitor, tentando arrancar do nada uma justificativa para querer entrar, ou continuar, na política.

É fácil fazer pouco de candidatos folclóricos que buscam desesperadamente se destacar dos outros com um apelido ou um slogan pitorescos (lembro de um gordinho que só ficava sorrindo para a câmera enquanto aparecia na tela sua razão para estar ali: “Bom filho”) ou, sem nenhum jeito para aquilo, explorando a notoriedade alcançada em outra atividade, como o futebol .

Mas não se queixe. O que você está vendo é a democracia no seu estágio primitivo, ainda na forma gasosa que precede a criação. E os folclóricos podem surpreender. O Tiririca eu não sei, mas o Romário revelou -se um bom e ativo congressista.

Numa eleição passada, numa cidade do interior, um candidato fez campanha com uma única frase. Era um fotógrafo que ganhara uma boa reputação na cidade retratando a sociedade local – reuniões de família, formaturas, debutantes, etc. – e decidira ser vereador. Seu slogan era “Tô focado”. A frase aparecia em cartazes e banners do candidato, e ele a repetia em comícios:

– “Tô focado! Tô focado!” – querendo dizer que estava concentrado nos problemas da cidade, que os enquadraria, na câmara dos vereadores, como enquadrava seus retratos na câmera fotográfica. Gastou todo o seu dinheiro na campanha, mas perdeu a eleição. E o pior é que depois não faltaram pichadores que percorreram a cidade fazendo pequenas alterações na frase “Tô focado”, entre o “fo” e o “do”, impiedosamente.

Apesar dos desgostos e do ridículo, não existe outra maneira da democracia começar a não ser nesse nível, com o risco de elegermos palhaços e apenas bons filhos. Sempre há a esperança que, no cargo, eles se mostrem bem focados.

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