quinta-feira, 16 de agosto de 2012



16 de agosto de 2012 | N° 17163
LETICIA WIERZCHOWSKI

Dentro de um búzio

Era um sapinho verde de pano atoalhado, desses que a criança pode usar no banho fazendo as vezes de esponja. O sapo tinha um amigo pato, tão amarelo quanto ele era verde – encontrei ambos numa lojinha de bairro, numa distante tarde no Rio de Janeiro. E o sapinho, quem diria, virou amigo do João.

Como toda criança, João gostava do que era singelo, e o sapinho era uma flor de singeleza, verdinho e mole, com seus dois olhos de pano tão arregalados, seu dorso felpudo, suas brandas patinhas. Ia e vinha, o sapinho, segundo os gostos do João.

O pato amarelo, esse foi parar na casa de amigos – um presente para esquecer uma notícia ruim, e sortilégio para que logo uma criança chegasse por lá também. E foi assim que o patinho voltou para o Rio de Janeiro, e tempos depois trouxe para esse casal de amigos um menininho ainda mais loiro do que o meu.

Mas o sapo seguiu aqui. Mudaram os móveis do quarto, mudaram os brinquedos, mudou o meu filho, mas o sapo permaneceu. Era amado pelo meu menino. Até que um dia, sem avisos, ele sumiu. O sumiço do sapinho não foi notado assim de cara, mas com o passar do tempo: em nenhuma gaveta, em nenhuma caixa ele estava, não estava com os brinquedos antigos que eu guardara, não tinha ficado na casa das avós.

Enfim, sumiu como somem tantas coisas... E meu filho mais novo nasceu e não herdou o velho sapinho de estimação. Herdou, isso sim, um monte de roupas do mano, e junto com elas uma japona azul e verde que só foi servir neste ano. Pois, dia desses, quando a turma se preparava para ir à escola, e o inverno, que vai e vem, voltara a dar as caras por aqui, fui vestir a japona verde e azul no meu filho caçula.

E então, que estranho, notei que um lado do casaco era mais fofo do que o outro, como se tivesse mais recheio. E vi um fecho, um fecho pequeninho, escondido sob o tecido. E então eu o abri. De dentro daquele bolso secreto, o passado saltou em cima de mim... Era o velho sapinho do João, que sumira quando ele tinha a idade do irmão menor.

A mais tenra infância do meu João, a infância mais verde e mais arregalada e inocente pulou daquele casaco, me pegou de surpresa, deixando o meu dia feliz. Como um tesouro escondido dos anos e do tempo, vi meu menino pequeninho outra vez, brilhando nos olhos de pano daquele sapinho sem nome. Foi um presente que nenhum Mastercard poderia comprar. Foi assim, tal qual um poema da Sophia de Mello. “Como um mar dentro de um búzio, o divino sussura no Universo.” Salve.

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