segunda-feira, 27 de agosto de 2012


Marina Gold

"O que nos justifica é a nossa história"
 
Fernando Pessoa, que admiro imensamente, bruxo da linguagem e das emoções, quem define com irretocável coragem e clareza: "o homem é apenas um cadáver adiado". Vamos, sem qualquer inclinação para a morbidez, encarar a dura verdade dessa ideia - o que nos justifica é a nossa história, o enredo que fomos tecendo do passado para o futuro na posição nem sempre cômoda do presente.

Pegando carona na lucidez do poeta, peço a liberdade de ampliar a reflexão. Nossa inexorável finitude nos conduz por passagens cuja amplidão ou estreiteza já não se relacionam mais com os aspectos físicos do universo. Caixões e sepulturas, tumbas e jazigos não são amplos ou claustrofóbicos por conta de mármore ou madeira de lei. Pouco importa sua estrutura material, a realidade dali é bem outra, distinta dos tolos valores do nosso mundinho, transcendente, literalmente de outra natureza.

Essa constatação, tranquila para muitos, é inaceitável para tanta gente, algemada às ilusões, escrava de qualquer pitadinha mixuruca de pó de ouro, assimilar que a Inteligência Universal está distribuída em tantas outras coisas - olhos e olhares - bem mais importantes e valiosas a ponto de não poderem ostentar penduradas, acintosamente, uma etiqueta com preço.

Pena é constatar como esse entendimento, fundamental para se viver uma vida autêntica, avança com lentidão de tartaruga pelo terreno minado do materialismo vazio e midiático da nossa desvalida época. Até quando as pessoas vão relutar em entender que as crianças são mais importantes do que os berços, os óvulos mais importantes do que os diamantes? Até quando vamos saber o preço de tudo e o valor de nada?

Tenhamos esperança. Tartaruga é bicho aguerrido e cascudo. Aguenta calores e marteladas com seu casco de pura beleza. A ponta da ciência contemporânea indica inquestionavelmente que somos apenas reles indivíduos de uma gigante porção de espécies com quem compartilhamos o mistério da vida no planeta.

Planeta em torno de uma entre tantas e tantas estrelas da nossa galáxia. Galáxia, note-se, de periferia, ladeada por bilhões de outras similares na imensidão cósmica. Diante de tanto gigantismo, vão insistir que a música e o riso (aberturas para o mistério) valem menos do que a bolsa e as bolsas, de valor e de grifes. Tenham paciência!

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