quinta-feira, 30 de agosto de 2012


CONTARDO CALLIGARIS

O menino acorrentado

Os pais podem chegar a acreditar que o fundamento da autoridade seja a força: obedece ou te acorrento

A NOTÍCIA apareceu na internet na quinta passada, dia 23: no Paraná, um menino de nove anos foi encontrado acorrentado, sozinho em casa, sem água e sem comida ao seu alcance. A mãe e o padrasto foram trabalhar e o deixaram assim. Na primeira reportagem, as explicações do comportamento dos pais estavam no condicional: segundo eles, "seria" a primeira vez, e o menino "estaria" envolvido com drogas. Ou seja, opróbrio nos pais cruéis.

Mais tarde, o site da CGN publicou uma entrevista com o padrasto. Pergunta: "Você sabe que agora, por mais que você tenha tido uma boa intenção, vocês vão responder judicialmente pela atitude que vocês tiveram?". O padrasto: "Com certeza. Só que acontece que eu não vou criar um moleque ladrão, maconheiro e bandido dentro da minha casa, para, amanhã ou depois, vocês jogarem na minha cara que eu não fui pai e não pude educar".

Depois de o padrasto expor um rosário de roubos cometidos pela criança, nova pergunta: "Não era o caso de procurarem a Polícia Militar e falarem: 'Está assim! Não estamos conseguindo (...)', em vez de acorrentar essa criança em casa?". E o padrasto: "A minha esposa já ligou (para a PM), acho que umas três ou quatro vezes. Mas ele sai de casa, ele some".

No dia seguinte, a TV Tarobá ouviu a mãe e o menino. Para a mãe, "se tentar segurar (o menino), é pau, pedra, tijolo, faca, o que tiver na frente ele taca. Não tem quem segure". O menino acrescentou detalhes, como a vez em que cortou o braço da irmã com gilete. A mãe: "Às vezes, é melhor acorrentar ali, do que ver mais tarde ele virar um bandido, um ladrão, um drogado. E você olhar na minha cara e falar que eu não criei meu filho, que eu não prestei para ser mãe". Detalhe: fora a corrente no pé, o menino não apresentava nenhum sinal de maus-tratos.

Foi assim que, em um dia, passamos da indignação pela violência dos pais à perplexidade (humilde) diante da tarefa impossível de educar.

Os pais têm razão: se o menino se tornasse ladrão e bandido, há sabichões que os acusariam. Os mesmos sabichões diriam, aliás, que, se os pais tiveram que acorrentar o menino, é porque eles fizeram algo muito errado -algo que comprometeu sua própria autoridade.

Adoraríamos que os sabichões tivessem razão. Saberíamos com certeza que o fracasso da autoridade depende da falta de amor e de cuidados: "Você não cuidou bem de seu filho? Pior para você: ele não te respeitará. Bem feito". Ou, então, o contrário (tanto faz, o que importa é fazer de conta que a gente saiba o que não dá certo): "Você sempre o mimou. Por preguiça ou pela vontade de vê-lo rindo como você nunca riu, você foi permissivo, e por isso ele nunca te respeitará".

Infelizmente, ninguém sabe o que faz que uma educação dê certo. E pais e filhos, perdidos (os primeiros no desespero e os segundos no desafio), acabam acreditando, um dia, como no caso do menino do Paraná, que o fundamento da autoridade e da rebeldia seja a força -eu te acorrento, e você vem com gilete.

Uma pesquisa famosa de Daniel Kahneman, em 2004 (http://migre.me/asSPV, para assinantes), constatou que criar filhos não é uma fonte de bem-estar. No melhor dos casos, criar filhos deixa uma lembrança boa (idealizada), mas é uma experiência dura e, às vezes, ruim. Na mesma linha, para Daniel Gilbert ("O Que nos Faz Felizes", Campus), os filhos e o dinheiro são as coisas das quais pensamos erroneamente que nos fariam felizes.

Uma recente pesquisa feita por M. Myrskylä (http://migre.me/as4jY) foi recebida com alívio porque mostra apenas isto: 1) depois da dureza e das crises dos primeiros meses do filho, os casais não desmoronam definitivamente na infelicidade, mas, aos poucos, eles voltam ao nível de bem-estar de quatro ou cinco anos antes de engravidar; 2) depois dos 40, os casais com filhos adultos estão um pouco melhor do que os que não tiveram filhos.

Seja como for, a criação dos filhos é uma experiência menos satisfatória do que todos queremos acreditar que seja.

O que foi? Será que, de repente, na modernidade, perdemos a mão, e ninguém sabe mais ser pai direito? Por que, na hora de educar, nossos avós pareciam se sair melhor do que a gente -com menos questionamentos e menos dramas?

É uma questão de expectativas: eles não esperavam nem um pouco que criar filhos lhes trouxesse a felicidade. E é uma questão de lugar: para eles, as crianças não eram o centro da vida dos adultos.

ccalligari@uol.com.br

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