CONTARDO
CALLIGARIS
O menino acorrentado
Os
pais podem chegar a acreditar que o fundamento da autoridade seja a força:
obedece ou te acorrento
A
NOTÍCIA apareceu na internet na quinta passada, dia 23: no Paraná, um menino de
nove anos foi encontrado acorrentado, sozinho em casa, sem água e sem comida ao
seu alcance. A mãe e o padrasto foram trabalhar e o deixaram assim. Na primeira
reportagem, as explicações do comportamento dos pais estavam no condicional:
segundo eles, "seria" a primeira vez, e o menino "estaria"
envolvido com drogas. Ou seja, opróbrio nos pais cruéis.
Mais
tarde, o site da CGN publicou uma entrevista com o padrasto. Pergunta:
"Você sabe que agora, por mais que você tenha tido uma boa intenção, vocês
vão responder judicialmente pela atitude que vocês tiveram?". O padrasto:
"Com certeza. Só que acontece que eu não vou criar um moleque ladrão,
maconheiro e bandido dentro da minha casa, para, amanhã ou depois, vocês
jogarem na minha cara que eu não fui pai e não pude educar".
Depois
de o padrasto expor um rosário de roubos cometidos pela criança, nova pergunta:
"Não era o caso de procurarem a Polícia Militar e falarem: 'Está assim!
Não estamos conseguindo (...)', em vez de acorrentar essa criança em
casa?". E o padrasto: "A minha esposa já ligou (para a PM), acho que umas
três ou quatro vezes. Mas ele sai de casa, ele some".
No
dia seguinte, a TV Tarobá ouviu a mãe e o menino. Para a mãe, "se tentar
segurar (o menino), é pau, pedra, tijolo, faca, o que tiver na frente ele taca.
Não tem quem segure". O menino acrescentou detalhes, como a vez em que
cortou o braço da irmã com gilete. A mãe: "Às vezes, é melhor acorrentar
ali, do que ver mais tarde ele virar um bandido, um ladrão, um drogado. E você
olhar na minha cara e falar que eu não criei meu filho, que eu não prestei para
ser mãe". Detalhe: fora a corrente no pé, o menino não apresentava nenhum
sinal de maus-tratos.
Foi
assim que, em um dia, passamos da indignação pela violência dos pais à
perplexidade (humilde) diante da tarefa impossível de educar.
Os
pais têm razão: se o menino se tornasse ladrão e bandido, há sabichões que os
acusariam. Os mesmos sabichões diriam, aliás, que, se os pais tiveram que
acorrentar o menino, é porque eles fizeram algo muito errado -algo que
comprometeu sua própria autoridade.
Adoraríamos
que os sabichões tivessem razão. Saberíamos com certeza que o fracasso da
autoridade depende da falta de amor e de cuidados: "Você não cuidou bem de
seu filho? Pior para você: ele não te respeitará. Bem feito". Ou, então, o
contrário (tanto faz, o que importa é fazer de conta que a gente saiba o que
não dá certo): "Você sempre o mimou. Por preguiça ou pela vontade de vê-lo
rindo como você nunca riu, você foi permissivo, e por isso ele nunca te
respeitará".
Infelizmente,
ninguém sabe o que faz que uma educação dê certo. E pais e filhos, perdidos (os
primeiros no desespero e os segundos no desafio), acabam acreditando, um dia,
como no caso do menino do Paraná, que o fundamento da autoridade e da rebeldia
seja a força -eu te acorrento, e você vem com gilete.
Uma
pesquisa famosa de Daniel Kahneman, em 2004 (http://migre.me/asSPV, para
assinantes), constatou que criar filhos não é uma fonte de bem-estar. No melhor
dos casos, criar filhos deixa uma lembrança boa (idealizada), mas é uma
experiência dura e, às vezes, ruim. Na mesma linha, para Daniel Gilbert
("O Que nos Faz Felizes", Campus), os filhos e o dinheiro são as
coisas das quais pensamos erroneamente que nos fariam felizes.
Uma
recente pesquisa feita por M. Myrskylä (http://migre.me/as4jY) foi recebida com
alívio porque mostra apenas isto: 1) depois da dureza e das crises dos
primeiros meses do filho, os casais não desmoronam definitivamente na
infelicidade, mas, aos poucos, eles voltam ao nível de bem-estar de quatro ou
cinco anos antes de engravidar; 2) depois dos 40, os casais com filhos adultos
estão um pouco melhor do que os que não tiveram filhos.
Seja
como for, a criação dos filhos é uma experiência menos satisfatória do que
todos queremos acreditar que seja.
O
que foi? Será que, de repente, na modernidade, perdemos a mão, e ninguém sabe
mais ser pai direito? Por que, na hora de educar, nossos avós pareciam se sair
melhor do que a gente -com menos questionamentos e menos dramas?
É
uma questão de expectativas: eles não esperavam nem um pouco que criar filhos
lhes trouxesse a felicidade. E é uma questão de lugar: para eles, as crianças
não eram o centro da vida dos adultos.
ccalligari@uol.com.br
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