25
de agosto de 2012 | N° 17172
NILSON
SOUZA
Título honroso
O
homem era tão cuidadoso, que quase pediu desculpas por me ajudar. Nunca vou
esquecer aquele gesto. Ele era professor de História e tinha imensa
sensibilidade em relação aos seus alunos da escola pública de periferia. Estávamos
no último ano do ensino médio da época e ele intuiu que eu não me inscreveria
no vestibular por falta de dinheiro.
Naquele
pretérito imperfeito da minha existência, eu cursava Contabilidade e prestava
serviço militar. Ia de bicicleta para a Base Aérea para não gastar com a
passagem do ônibus. E ia cedo, para pegar o café da manhã no quartel, pois aos 19
anos a fome é grande. Então, numa conversa pós-aula, o professor aproximou-se
de mim e disse:
– Andei
recebendo um dinheiro que não esperava receber e gostaria de te dar um presente.
Pagou
a minha inscrição. Não deve ter feito isso apenas comigo, pois vivia cercado de
alunos que admiravam o seu jeito divertido de ensinar. Contava cada história da
grande História, que às vezes a gente até suspeitava de que ele mentisse. Uma
vez, nos disse que Nabucodonosor pastava nos jardins da Babilônia – e todos
trocamos olhares desconfiados, sem saber que o poderoso monarca realmente
perdera o juízo durante sete anos de seu reinado.
Também
éramos jovens amalucados naquele período de passagem da adolescência para a
idade adulta. Muitas, certamente, aprontamos. Mas jamais vi qualquer dos alunos
desrespeitar aquele professor. Rimos muito, é verdade, no dia em que ele estava
dando uma palestra no auditório e caiu no buraco do ponto, sofrendo algumas
escoriações.
Não
dava para não rir. Porém, essas coisas que os adolescentes fazem hoje, de
xingar professor, de se retirar da aula sem aviso, de atender ao celular (que não
existia naquele tempo), isso jamais fizemos. Odiávamos a professora de matemática,
que era linha-dura, fazendo jus ao seu apelido felino de Tigrona, mas o
contador de histórias era amado. Por quê?
Simplesmente
porque ele ouvia os alunos, se importava com eles, procurava ajudar aqueles que
apresentavam dificuldade, cobrava na medida exata das possibilidades da turma,
não faltava a aula, não deixava ninguém sem resposta e até mexia com os retraídos
como eu. Uma vez, me disse que eu não poderia ser jornalista devido à timidez.
Certamente
foi proposital. Sabia que aquele comentário me atingiria no sensível botão da
autoestima. Pois aqui estou, usando o meu ofício para homenagear mais uma vez
aquele sábio ser humano que gostava de ser chamado pelo seu título mais honroso:
professor!
2 comentários:
Simplesmente magnífico. Só un pequeno exemplo da sensibilidade do Nilson.
Simplesmente magnífico. Só un pequeno exemplo da sensibilidade do Nilson.
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