26
de agosto de 2012 | N° 17173
MARTHA
MEDEIROS
Corpo
interditado
Estava num café esperando por uma amiga. Enquanto o
tempo passava, fiquei observando o ambiente. Outra mulher estava sozinha a
poucas mesas de distância, também esperando alguém atrasado. O atrasado dela
chegou antes da minha. Vi quando ela se levantou para cumprimentá-lo. Deram-se
dois beijinhos.
Os
dois beijinhos mais vacilantes e constrangedores que podem ocorrer entre um
casal. Talvez fosse delírio meu, mas tenho quase certeza de que eram
ex-amantes, ex-namorados, ou um ex-marido e uma ex-esposa que haviam terminado
a relação poucos dias atrás, no máximo alguns meses atrás.
É uma
cena clássica. Depois de anos de amor e intimidade, a relação se desfaz. Os
dois juram nunca mais se ver, odeiam-se por algumas semanas, até que um dia
surge uma pendência para ser conversada, ou simplesmente resolvem tomar um
drinque para provar ao mundo que a amizade prevaleceu, essas cenas
aparentemente civilizadas que trazem significados ocultos.
Ou
pior: encontram-se sem querer num estacionamento no centro da cidade, num
corredor de shopping, num quiosque do mercado público. Você aqui? Que surpresa.
E os dois beijinhos saem de uma forma tão desengonçada que seria motivo pra
rir, não fosse de chorar. Eles não se possuem mais fisicamente.
Interdição
do corpo. Um dos troços mais sofridos de um final de relacionamento, que só se
vai experimentar depois de um tempo afastados. Uma coisa é você ficar
racionalizando sobre o desenlace trancafiada no quarto, ele ficar ruminando
sobre as razões do rompimento enquanto trabalha.
Uma
coisa é você chorar durante o banho para disfarçar os olhos inchados, ele falar
mal de você em bares, fingindo que se livrou da Dona Encrenca. Uma coisa é você
consultar uma cartomante a fim de acreditar em dias mais promissores, ele sair
com umas lacraias bonitinhas pra provar que te esqueceu.
Outra
coisa é quando os dois se encontram, cara a cara, depois de semanas ou meses
apenas se imaginando.
Ele
está ali na sua frente. Mas você não pode agarrar seus cabelos, não pode passar
a mão no seu peito, não pode rir de uma piada interna que só pertence aos dois,
porque está oficializado que nada mais pertence aos dois.
Ela
está ali na sua frente. Mas você não pode mais dar uma beliscadinha na sua
bunda, não pode mais beijá-la na boca, não pode mais dizer uma bobagem em seu
ouvido, porque está oficializado que ela agora é apenas uma amiga, e não se
toma esse tipo de liberdade com amigas.
Depois
de terem vivido, por anos, a proximidade mais libidinosa e abençoada que pode
haver entre duas pessoas apaixonadas, vocês agora estão proibidos ao toque. Não
se amam mais, é o que ficou decretado. Logo, os códigos de aproximação mudaram.
Você
dará dois beijinhos na mulher que tantas vezes viu nua, como se ela fosse uma
prima. Você dará dois beijinhos no homem para quem tanto se expôs, como se ele
fosse um colega de escritório. Esses dois beijinhos doerão mais do que um soco
do Mike Tyson.
O
corpo interditado. Você não pode mais tocá-lo, você não pode mais tocá-la. O
definitivo sinal de que o fim não era uma ilusão.
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