quarta-feira, 22 de agosto de 2012



22 de agosto de 2012 | N° 17169
DA PERIFERIA À EUROPA

Sotaque italiano no Morro da Cruz

Dez alunos de escola municipal se preparam para conhecer os lugares por onde os soldados brasileiros lutaram na II Guerra

Prego, scusa, buongiorno. Nos últimos dias, o italiano tem ecoado pelas ruas do Morro da Cruz, na periferia de Porto Alegre. Marcelo Souza Rodrigues usa a língua para se dirigir aos pais, Giordana Pereira aproveita as noites para rodar um DVD no idioma, Kamila Brusch repete palavras pinçadas no dicionário recém-comprado.

Com outros sete adolescentes, eles não perdem oportunidade de treinar para uma experiência que mal lhes deixa dormir, de tão excitante: no final de outubro, vão à Itália para conhecer os lugares por onde passaram os soldados brasileiros que lutaram na II Guerra Mundial.

Os 10 viajantes venceram um concurso de redações promovido em seu colégio – a Escola Municipal Morro da Cruz – pelo Instituto Latino-Americano de Proteção Ambiental Borboleta Azul. Eles são de famílias de condições modestas, alguns muito pobres, todos sem qualquer experiência no Exterior.

A viagem encheu os adolescentes de expectativas e planos. Kamila, 12 anos, comprou o dicionário italiano-português porque não quer deixar de entender nada do que ouvir em território italiano.

– Estou estudando muito, para abraçar essa oportunidade com força – explica.

Giordana está empenhada em representar bem os brasileiros lá fora. Da lista de itens a levar, a garota de 14 anos considera fundamentais maquiagem, perfume, brincos e anéis. Sua mãe, que trabalha como faxineira, insiste com ela nos bons modos: repete sem cessar que a filha não deve colocar o cotovelo sobre a mesa na hora de comer entre os italianos e que o copo tem de ficar atrás do prato.

– Ela me diz: filha, aproveita, porque não é sempre que acontece. Eu fico a noite toda imaginando que já estou na Itália, num outro mundo, muito diferente do nosso. Não vejo a hora de embarcar. Tenho certeza de que vou voltar outra pessoa – diz Giordana.

Estudantes estão recebendo aulas de italiano na escola

Para entrar no grupo que vai passar 12 dias na Itália, os alunos tiveram de escrever uma redação relacionando sua própria realidade com as dificuldades enfrentadas pelos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Marcelo, 17 anos, resolveu relatar a história de sua mãe, que veio sozinha do Maranhão em busca de trabalho, aos 21 anos, acabou encontrando serviço na limpeza dos banheiros do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

– Depois de escrever a redação, saí da sala com o coração na mão, porque me entreguei de corpo e alma. Quando saiu o resultado, foi inexplicável – conta Marcelo.

Como parte dos preparativos, os 10 alunos estão recebendo aulas semanais de italiano na escola. Também aprenderam sobre os soldados brasileiros que foram à Itália. Ontem à tarde, participaram no Memorial do Judiciário de uma homenagem aos veteranos da FEB e tiveram a oportunidade de ouvir as experiências de alguns pracinhas.

Além de provocar alegria, a perspectiva da aventura inédita na Europa também deixa os adolescentes nervosos. Wellington Pereira Batista, 13 anos, é um dos que combinam ansiedade e temor:

– Meu pai disse para eu ir, se eu quiser. Mas ainda estou decidindo. Meu medo é o avião. Mas acho que vou. Quero muito conhecer Roma.

Mesmo receoso, Wellington está mergulhado nos preparativos. Quer levar pouca roupa e preencher a mala com peças compradas na Itália.

– Estou guardando dinheiro. Já economizei R$ 70. Meu pai e minha mãe também vão ajudar, com uns R$ 100 cada. Também tenho várias encomendas de amigos do Morro da Cruz: revista italiana, brinco, sapatos – conta.

itamar.melo@zerohora.com.br

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