16
de agosto de 2012 | N° 17163
L.
F. VERISSIMO
Soprano
tísica
Em
algum momento da atual Bienal do Livro de São Paulo, se falará da iminente
morte do livro e as opiniões se dividirão. Alguns dirão que o livro nunca
acabará, e aí estão as bienais, as feiras e as flips para provar isto, e outros
dirão que o livro caminha para a obsolescência e logo estaremos lendo tudo em
tabletes, ipodes, ipedes e E-tceteras. Não se chegará a nenhuma conclusão e a
conversa será transferida para a próxima bienal.
O
escritor americano John Barth não duvida que o livro como nós o conhecemos e
amamos acabará, mas nos propõe dois consolos. O primeiro é a história do fim
dos dinossauros, cuja existência foi encurtada pelo choque de um asteroide com
a Terra, mas ainda viveram 1 milhão de anos entre o impacto do asteroide e sua
extinção completa.
Nesse
período, apareceram alguns dos seus espécimes maiores – um bom presságio para a
literatura impressa, que pode reagir ao choque da literatura eletrônica
produzindo suas maiores obras antes de desaparecer.
O
outro consolo sugerido por Barth – um bom romancista e ensaísta com o gosto por
jogos de palavras e metalinguagem – é a ópera, que não só é um exemplo de
anacronismo que teima em sobreviver como nos fornece outra metáfora para a
insistência em viver de um condenado.
Geralmente,
a melhor ária de uma ópera clássica é a última, quando uma heroína, digamos, à
beira da morte ainda encontra força e fôlego para cantá-la. Pensemos no livro,
portanto, como uma soprano tísica que ainda nos dará boas surpresas antes do
fim.
Barth
também poderia ter lembrado o disco de vinil, cuja morte – como se vê, hoje,
nas lojas de discos – foi decretada prematuramente. Muita gente está
abandonando o CD e voltando para o vinil, o equivalente a largar o tablete e
voltar para o livro. E a morte do livro vem senso anunciada há muito tempo.
Se
você aceitar que a paródia é a decomposição da literatura em estado avançado, e
que Don Quixote é um romance inaugural, então você pode dizer que essa conversa
da morte do livro começou com Cervantes, há 400 anos. Se resistiu à gozação de
Cervantes, o livro resistirá a todos os impactos eletrônicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário