18
de agosto de 2012 | N° 17165
NILSON SOUZA
Maluquinhos
Do
alto de sua cabeça branca, incluindo as espessas sobrancelhas de algodão,
Ziraldo desancou esta semana a garotada que não lê. “Muitos pais não percebem,
mas seus filhos se tornaram idiotas” – lascou, no seu estilo patrola
desgovernada.
Ele
estava na Bienal Internacional do Livro de São Paulo e deve ter sido
influenciado pelo ambiente de louvor à literatura. Disse que o livro é o objeto
mais perfeito da história da humanidade e que o computador, apesar de todas as
suas possibilidades culturais, tem sido usado como brinquedo.
Livro
versus computador, será esta a batalha final? No começo da disputa, todos achávamos
que eram ferramentas complementares. Depois, começamos a perceber que o livro
foi ficando de lado e que o computador, além da vantagem atrativa da
interatividade, passou a absorver os conteúdos dos impressos.
Um
leitor eletrônico (computador, celular, tablet, qualquer plataforma dessas
novas) permite acessar não um livro, mas uma biblioteca inteira, quem sabe tudo
o que se escreveu até hoje desde o primeiro papiro. Difícil rivalizar com uma máquina
tão poderosa. Só que... Quantos livros inteiros você já leu no computador?
Falo
de livros que param em pé, não do Menino Maluquinho, do Ziraldo, que tem meia dúzia
de palavras. A história até que é bem legal. Meio antiga, é verdade: o menino
fazia pipa com taquara, papel de seda e grude feito de polvilho, como aprendera
com o pai, que também aprendera com seu pai e por aí vai. Ninguém faz mais isso
hoje. Talvez, para não ser tão incisivo, algum raro menino da área rural ou de
algum bairro periférico de cidade grande.
No
final da história do genial cartunista, a gente descobre que aquele menino não
era exatamente maluquinho – era, na verdade, feliz. Como sei disso? Li num
livro. Mas a história está igualmente nos computadores.
Ziraldo
também parece ser um cara legal. Foi preso por debochar da ditadura nos anos de
chumbo, mas, recentemente, também arrumou bronca com a esquerda mais
intelectualizada, que não gostou de vê-lo pedir indenização de perseguido político.
O episódio gerou uma das célebres frases do falecido Millôr Fernandes, colega
de Ziraldo no Pasquim, também crítico do regime militar, mas que se negou a
pedir a indenização. “Então, aquilo não era ideologia, era investimento?”
Maluquinhos
eles, não? Mas também inteligentes, talentosos, espirituosos, bem-informados,
comprometidos com causas sociais, cidadãos brasileiros.
Em
uma palavra, leitores. De livros.
Ainda
assim, nada impede que os não leitores da era digital também sejam pessoas felizes.
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