ANTONIO PRATA
Quem diria?
O segundo choque, depois da
descoberta da inteligência, é que as formigas são extremamente preguiçosas
Primeiro aparece bem pequeno no
canto dos jornais, como piada, mas rapidamente vêm as supostas comprovações e
em poucos dias a notícia toma as manchetes: "Formigas são forma de vida
inteligente, afirmam cientistas húngaros".
De início você não acredita, mas
também não acreditou quando alguém te ligou certa manhã, 11 anos atrás,
avisando que os árabes estavam atacando os Estados Unidos, "Os árabes não
existem!", você disse, irritado e com sono, até que ligou a televisão e lá
estavam as Torres Gêmeas desabando.
Superado o reflexo de ceticismo,
portanto, você aceita, como acaba aceitando tudo na vida, um pé na bunda, a
morte, a guerra: as formigas são uma forma de vida inteligente. Possuem
linguagem, escrita, filosofia, ciência, arte. Nunca haviam dado bandeira porque
não estavam afim de papo, mas um grupo dissidente de saúvas africanas marchou
até a Hungria, invadiu o laboratório de um proeminente entomólogo e, sobre a
bancada, alinhando seus próprios corpos, a primeira mensagem interespécies foi
escrita: "Egyszerű!", que significa "calma", em
húngaro. É dessa maneira que, daí pra frente, elas passam a se comunicar
conosco.
O segundo grande choque, depois
da descoberta da inteligência, é que as formigas não são os seres esforçados e
trabalhadores do nosso senso comum, mas animais extremamente preguiçosos.
Poderiam construir colmeias e produzir mel, se quisessem, poderiam fazer
telescópios, hidroelétricas, colisores de hádrons, mas preferem esperar algum
bicho cair duro ou alguma migalha ser derrubada da mesa e levar o botim para
suas modestas moradas, onde se fartam de comer e beber e depois, empanturradas,
cantam e dançam antigos sucessos de seu cancioneiro.
Em poucos meses, vivemos uma
"febre de formigas": orquestras tocam músicas compostas por formigas,
autores transcrevem mitos das formigas, filósofos participam de debates com
formigas, hordas de seres humanos vão morar no mato, alimentando-se de restos e
cantando e dançando antigos sucessos do cancioneiro formigal.
Até que, um ano após a primeira
notícia, um ex-aluno de Yale vem a público e desmascara a farsa. As pesquisas
eram forjadas, as saúvas eram eletrônicas, tudo não passou de um golpe de humoristas
infiltrados em 15 das melhores universidades do mundo, uma pegadinha, um
happening global destinado a mostrar as brechas do mundo acadêmico e do
"star system".
Talvez por isso ninguém dê
crédito quando, seis anos mais tarde, uma bióloga romena afirma que as
águas-vivas emitem e recebem ondas de rádio vindas do espaço, através de seus
tentáculos. Apesar do escárnio, a romena segue suas pesquisas em Bucareste e
vai publicando os resultados num blog, com muitos acessos e nenhuma
credibilidade.
Não é de se admirar, portanto,
que as enormes medusas metálicas que escurecem os céus do planeta numa manhã de
domingo nos peguem desprevenidos, levando apenas três minutos e 34 segundos
para engolir 99,9% da humanidade.
Os poucos sobreviventes da
hecatombe passam a viver em buracos, alimentando-se de restos e fingindo não
entender nada do que está se passando, enquanto, nos mares e nos continentes,
as águas-vivas vindas do espaço constroem sua gelatinosa civilização.
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