terça-feira, 14 de agosto de 2012



14 de agosto de 2012 | N° 17161
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Sabe tudo

Na minha infância, havia uma série de tevê chamada Papai Sabe Tudo. (Sem certeza sobre o título, se Sabe-Tudo ou Sabe Tudo, com ou sem hífen, vou ao oráculo do nosso tempo, o Google, e lá encontro o que me basta para espanar o pó do tempo: a série, criada para o rádio em 1949 e na tevê desde 1954, se chamava Papai Sabe Tudo, uma frase, tradução para Father Knows Best.)

Eu era menino e admirava muito aquele estilo de vida, para nós inalcançável; meu apreço pelo paletó com reforço de couro no cotovelo certamente nasceu ali.

Anteontem foi dia dos pais, e eu, como pai recente, fiquei mais uma vez emocionado. (Vou morrer me emocionando nesse dia.) Meus dois filhos e nós, mãe e pai, passamos o dia juntos, numa felicidade amena que é o céu na terra. E lembrei de contar aqui uma da Dora, a Dodó, com seus flamantes dois anos e meio, ocorrida esses dias.

Ocorreu que ela acordou cedo e eu fui atendê-la. Ela queria sair da cama, sem negociação. Só nós dois acordados, dia frio. Peguei-a no colo e fomos para a sala; liguei a tevê, a pedido dela. (Hoje em dia há uns quantos canais para crianças, mediante módica quantia mensal, muito longe dos dois canais únicos da minha infância.)

Preparei o mamá dela, acomodei-a do melhor modo, cobertinha e tal. Pensei em tratar do meu café. Mas antes de sair de perto dela me ocorreu perceber a maravilha da cena; eu quis intensificá-la e disse: “Dodó, posso te dar um beijo?”. Pergunta retórica, claro, de pai apaixonado.

A resposta dela, com o bico da mamadeira na boca, foi... não! Só abanou a cabeça, negando. Eu entendi que era um jogo (homens são patetas, demoram a entender) e insisti: “Só na mãozinha, posso?”. E ela, mais uma vez, negou. E sorriu. Eu fiquei sem ação, olhando para ela.

Aí ela tomou a iniciativa: esticou o braço na minha direção, com o indicador apontando para mim, como quem diz que a ponta do dedo eu podia beijar. Eu sorri também e me aproximei para o beijo, e ela ainda trocou o indicador pelo minguinho. E eu o beijei. Ela é que sabe tudo.

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