23
de agosto de 2012 | N° 17170
L. F.
VERISSIMO
A narrativa
Fizeram
um filme do romance apocalíptico do Don DeLillo chamado Cosmópolis. O diretor é
David Cronenberg. O filme é sobre um dia na vida de um jovem financista, um dos
mestres do universo, que comanda seus negócios internacionais de dentro de uma
limusine impermeável enquanto lá fora o mundo – ou pelo menos Nova York – desmorona.
No
filme, há uma fala, não sei se do DeLillo ou do roteirista, que define tanto o
poder do jovem protagonista, que pode arruinar nações inteiras com um toque no
seu celular, quanto o caos que o cerca.
“Toda riqueza se transformou em riqueza apenas
pela riqueza, e o dinheiro, tendo perdido sua qualidade de narrativa, passou a
só falar com ele mesmo”.
Perfeito.
O dinheiro perdeu seu papel na grande narrativa do capitalismo que vem da
acumulação primitiva de capital e da industrialização e chegou à globalização,
e hoje é apenas um interlocutor de si próprio.
A
narrativa acabou, a riqueza se acumula entre poucos e beneficia ainda menos, e
o dinheiro, desobrigado de fazer sentido e de seguir qualquer espécie de
roteiro, só produz monstros como o jovem financista do filme. O capital
financeiro dita a história econômica do mundo e inventou uma nova categoria
literária: o diálogo de um só.
Gostei
de saber que um grupo de economistas de várias partes do mundo lançou um
manifesto criticando o que parecia ser uma quase unanimidade – as exceções eram
Paul Krugman e três ou quatro outros – a favor das medidas de austeridade e
sacrifício de gastos sociais para combater a atual crise econômica global
provocada pelo capital financeiro.
O
grupo reage à ortodoxia monetarista que faz a vítima pagar pelos desmandos do
vilão e tenta interromper o autodiálogo do dinheiro endossado por tantos
economistas. Felizmente, não por todos.
A
grande narrativa do capitalismo foi excitante, enquanto durou. Revolucionou a
vida humana e, junto com suas barbaridades, fez coisas admiráveis. Tudo que era
sólido se desmanchava no ar, para ser recriado no ciclo seguinte. Mas nem Marx
previu que seu fim seria este: no meio de um mundo em decomposição, o dinheiro
falando sozinho.
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