19
de agosto de 2012 | N° 17166
MARTHA
MEDEIROS
Não parecia eu
Já deve
ter acontecido com você. Diante de uma situação inusitada, você reage de uma
forma que nunca imaginou, e ao fim do conflito se pega pensando: que estranho,
não parecia eu. Você, tão cordata, esbravejou. Você, tão explosivo,
contemporizou. Você, tão seja-lá-o-que-for, adotou uma nova postura. Percebeu-se
de outro modo. Virou momentaneamente outra pessoa.
No
filme Neblinas e Sombras (não queria dizer que é do Woody Allen pra não parecer
uma obcecada, mas é, e sou) o personagem de Mia Farrow refugia-se num bordel e
aceita prestar um serviço sexual em troca de dinheiro, ela que nunca imaginou
passar por uma situação dessas.
No
dia seguinte, admite a um amigo que, para sua surpresa, teve uma noite
maravilhosa, apesar de se sentir muito diferente de si mesma. O amigo a
questiona: “Será que você não foi você mesma pela primeira vez?”
São
nauseantes, porém decisivas e libertadoras essas perguntas que nos fazem os
psicoterapeutas e também nossos melhores amigos, não nos permitindo rota de
fuga. E aí? Quem é você de verdade?
Viver
é um processo. Nosso “personagem” nunca está terminado, ele vai sendo construído
conforme as vivências e também conforme nossas preferências – selecionamos uma
série de qualidades que consideramos correto possuir e que funcionam como um
cartão de visitas.
Eu
defendo o verde, eu protejo os animais, eu luto pelos pobres, eu só me
relaciono por amor, eu respeito meus pais, eu não conto mentiras, eu acredito
em positivismo, eu acho graça da vida. Nossa, mas você é sensacional, hein!
Temos
muitas opiniões, repetimos muitas palavras de ordem, mas saber quem somos
realmente é do departamento das coisas vividas. A maioria de nós optou pela boa
conduta, e divulga isso em conversas, discursos, blogs e demais recursos de
autopromoção, mas o que somos, de fato, revela-se nas atitudes, principalmente
nas inesperadas. Como você reage vendo alguém sendo assaltado, foge ou ajuda?
Como você se comporta diante da declaração de amor de uma pessoa do mesmo sexo,
respeita ou debocha?
O
que você faria se soubesse que sua avó tem uma doença terminal, contaria a
verdade ou a deixaria viver o resto dos dias sem essa perturbação? Qual sua reação
diante da mão estendida de uma pessoa que você muito despreza, aperta por educação
ou faz que não viu? Não são coisas que aconteçam diariamente, e pela falta de
prática, talvez você tenha uma ideia vaga de como se comportaria, mas saber
mesmo, só na hora. E pode ser que se surpreenda: “não parecia eu”.
Mas é
você. É sempre 100% você. Um você que não constava da cartilha que você decorou.
Um você que não estava previsto no seu manual de boas maneiras. Um você que não
havia dado as caras antes. Um você que talvez lhe assombre por ser você mesmo
pela primeira vez.
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