sexta-feira, 17 de agosto de 2012



17 de agosto de 2012 | N° 17164
PAULO SANT’ANA

Acostumar-se

Já repararam os leitores e leitoras desta coluna que em nossa vida – a de todos – somos obrigados sempre a nos acostumar com tudo?

Temos de nos acostumar até com as injustiças que grassam no nosso meio.

E nos acostumamos todos os dias a nos intimidar, nos acostumamos a nos submeter, nos acostumamos a calar, nos acostumamos até a entender que nosso voto nas eleições perde quase sempre em essência ética ou de produtividade nas mãos dos que empunham os mandatos que lhes concedemos.

Eu, por exemplo, que nunca me acostumei a estudar, embora tenha tirado até curso superior, me acostumei a trabalhar como um escravo, embora o que mais me agrade na vida talvez seja o trabalho.

Eu também me acostumei a nunca deixar de estar amando, embora, que ninguém nos escute, me acostumei a trair no amor. E, sempre que traí com uma segunda, nunca deixei de amar a primeira.

E, por causa da minha paralisia facial, que tornou tortos e não simétricos os meus lábios, parecendo a mim que fico feio quando sorrio, acostumei-me a não sorrir, o que foi para mim embaraçoso nos meus 40 anos de trabalho diário na televisão.

É preciso se acostumar com tudo. A frase que é hino dos que se acostumam com tudo é esta: “Relaxe e goze”.

“Relaxe e goze” quer dizer tanta coisa! Quer dizer, por exemplo, que, se sua mulher ou seu marido briga com você todos os dias e se torna rabugenta(o), você tem de adotar a postura bíblica da tolerância e esperar, durante o dia ou a semana, que ela(e) pare de chatear.

Em algum momento ela(e) vai parar de chatear. Ela(e) não é bruxa!-

No meu caso, também acabo de me acostumar a ser surdo. É preciso que eu explique que ouço em nível zero pelo ouvido esquerdo e no ouvido direito só tenho 30% da audição.

Mas estou me acostumando a ser tecnicamente surdo. Trabalho com fones aumentativos no Sala de Redação, e vou lhes confessar uma coisa espetacular: somente depois que fiquei surdo é que percebi que 99% dos sons que ouvimos durante todo o dia são absolutamente inúteis. E, 50% dos sons que ouvimos durante um dia, para nós seria profundamente melhor que não os tivéssemos ouvido.

Para todos nós, é imperioso, é necessário, inadiável que nos acostumemos a nos acostumarmos.

Não sei por que me veio à mente que o único gaúcho imortal com quem ainda e benditamente convivemos é o eterno João Carlos Paixão Côrtes.

Paixão Côrtes é uma estátua viva, ele é o paladino e maior propagador das nossas origens gauchescas, ele é mais do que o nosso sal da terra, ele é também o nosso açúcar da terra, com aquela ternura que brota sempre dos seus lábios para sempre escondidos naquele bigode gigantesco que mais parece um preá atravessado acima da boca.

Paixão Côrtes, o gaúcho tem e sempre terá paixão por ti!

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