terça-feira, 28 de agosto de 2012



28 de agosto de 2012 | N° 17175
FABRÍCIO CARPINEJAR

Cadê minhas lembranças felizes?

De todas as conversas que tive com minha mãe, só lembro aquela que me magoou.

De todos os nossos longos e curtos diálogos no carro, no ônibus, em casa, nas praças, nas caminhadas pelo bairro.

Milhares de cumprimentos, de abraços, de risos, de colos, de palavras de incentivo, de piadas e recordações, e o que guardo é ela dizendo que não presto.

Uma única vez em que não prestei entre um turbilhão de outras em que fui tratado como um príncipe.

Por que essa ingratidão memorativa? Por que essa desigualdade evocativa?

De todas as conversas que travei com meu irmão, só conservo a que nos separou.

A gente fez castelo juntos, jogou futebol, armou casinhas, confabulou planos, inventou segredos; centenas de dias ensolarados e noites de insônia partilhadas e agora desaparecidas entre o hipocampo e o córtex frontal.

O que ficou de agradável: nada.

Estou por concluir que a memória abomina a felicidade.

Não cuidamos dos positivos das lembranças, apenas colecionamos os negativos.

Não nos esforçamos para guardar os bons momentos porque temos a ideia – equivocada – de que são obrigatórios.

Há o entendimento de que normalidade é acumular glória na vida enquanto a dor é um acidente de percurso. Há a convicção de que a alegria é uma condição natural enquanto a cara fechada é uma exceção (não seria o contrário?).

Predomina em nós a compreensão ingênua da felicidade como facilidade e da tristeza como dificuldade. Ser feliz seria simples e ser triste consistiria numa tremenda injustiça.

Uma noção do mundo em linha reta, de amor em abundância, provocando o desperdício constante e perigoso.

Não preservamos as delicadezas, assim como não economizamos água, já que ela verte com ligeireza pela torneira da residência.

Não poupamos as cenas comoventes, assim como não economizamos luz, já que ela depende de um clique para clarear as paredes.

Não embrulhamos a ternura, esnobamos. Parece que é um dever recebê-la, que nossa companhia precisa nos oferecer sempre o cotidiano mais precioso. Devoramos um bolinho de chuva pensando no próximo. Beijamos a boca de nossa mulher cobiçando o segundo, o terceiro e o quarto beijo.

O que é ruim é solene. O que é bom é descartável.

A morte se torna mais inesquecível do que o nascimento. O atrito surge mais consolidado do que o primeiro encontro. A ruptura se destaca diante dos acordes iniciais da amizade.

Temos amnésia da leveza, pois deduzimos que virá mais e mais no dia seguinte. Não criamos álbuns de nossas gargalhadas, mas recortamos as cenas rancorosas e amargas como se fossem definitivas e esclarecedoras.

Somos algozes da felicidade e, ao mesmo tempo, vítimas da infelicidade.

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