18
de agosto de 2012 | N° 17165
CELSO
GUTFREIND
A chance da memória
Mudam
as personagens, mas a história é a mesma. Formatura marcada. Ou casamento. Grande
expectativa, melhores roupas, o clima todo. E nada da festa. A agência se
atrapalhou ou fez falcatrua. Em geral, os dois.
Tenho
empatia pelo enredo. Imagino a dor de quem se preparou para o instante sagrado
e frustrado. Não é difícil de imaginar. Cada um de nós viveu algo parecido. Mesmo
assim, fico impressionado com os depoimentos: “Foi o dia mais humilhante da
minha vida”.
Há de
ter sido. Até hoje não me recuperei do meu aniversário de seis anos. Choveu. Não
houve futebol. A cicatriz ainda pulsa: “Estragou tudo”, ela grita com os
formandos e noivos malogrados. Aqui dá o clique. Posso estar enganado para
sempre, mas me pergunto por que razão viva alma, depois de se debulhar em lágrimas,
não pensa que há uma segunda chance?
E
sorri. Uma criança de seis anos, tudo bem. Mas como pode um adulto ignorar que é
possível formar-se depois, casar-se depois, comemorar depois? O dinheiro pode não
ser reavido, a festa ter de esperar, ser mais simples, mas que história é esta
de acabou?
O
escritor Ernesto Sábato detestava perder um encontro. Ele disse que o outro
sempre o salvava e, a cada ausência, algo muito grave se perdia. Mas não a
ponto de não aguardar o encontro seguinte. Trata-se de um prosador, e os poetas
são mais claros: nunca está pronta a nossa edição final, cantou o Drummond. O
amor não é pra já, cantou o Chico, e a música ainda aumenta a poesia.
Já a
idade é uma convenção, arbitrária como qualquer outra. Hoje sei que posso
comemorar meus seis anos aos quarenta e muitos. E tenho esperança de ter memória
e imaginação suficientes para voltar a comemorá-los amanhã, aos noventa e
poucos. De forma que, se não morremos, tudo pode ser recuperado. A formatura. O
casamento, a amizade, o amor, nem que em outro amor. Se não morremos?
Esta
crônica, por exemplo, nasceu de uma enorme expectativa. A primeira versão ficou
longe da intenção. Precisou de uma segunda chance para ajeitar o ritmo, uma
terceira para o conteúdo e precisará de uma quarta. Porque um de seus leitores,
o Paulo Hecker Filho, achou o resultado insuficiente. Ora, dirão, o Paulo
morreu em 2005, mas desde quando perco a chance de imaginá-lo vivo e lendo?
Ele,
que pedia textos abertos, sem mensagem final, terá de encarar mais esta:
– E
nem a morte o matou.
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