PASQUALE CIPRO NETO
"Servidor que manter
greve..."
Deveria
ocorrer o mesmo processo na flexão de outros tempos verbais, sobretudo os do
modo subjuntivo
A
BRUXA estava de plantão na edição da Folha do último dia 25, mais precisamente
nestes dois títulos: "Servidor que manter greve ficará sem
reajuste..."; "... ex-PM afirma que, quanto menos se expor,
melhor".
No
mesmo dia, muitos leitores me escreveram. Alguns deles perguntaram se há ou
haveria alguma possibilidade de ser adequado o emprego das formas
"manter" e "expor".
Vamos
lá, pois. Recorro a uma velha questão do vestibular da Unicamp. Pedia-se aos
candidatos que indicassem a forma inadequada de um fragmento jornalístico, em
que se lia algo como "...se o governo suspender (...), retirar do
Congresso (...) e repor as perdas salariais". Pedia-se também que os
candidatos reescrevessem o trecho, substituindo a forma inadequada pela
cabível. Por fim, o item mais importante da questão: a banca queria que os candidatos
explicassem o motivo do "desvio".
O
caso abordado pela banca da Unicamp tem relação com os que se veem nos títulos
do último dia 25. Vamos por etapas. Nos títulos citados, os verbos
"manter" e "expor" foram "conjugados" no futuro
do subjuntivo. Para quem não se lembra do que é "futuro do
subjuntivo", lá vão alguns exemplos concretos: "Se/Quando você for
lá..."; "Se/Quando você puder..."; "Se/Quando você
estiver..."; "Se/Quando você trouxer...". Lembrou? Pois bem.
Esse tempo é derivado do pretérito perfeito do indicativo. Calma! Já explico
-com exemplos concretos: "Ontem eles fizeram os trabalhos";
"Naquele ano eles vieram aqui"; "Eles puseram a carta no correio
ontem"; "O Brasil ganhou a Copa de 1958". Lembrou?
Pois
bem. Como já afirmei, o futuro do subjuntivo deriva do pretérito perfeito do
indicativo. Direto ao ponto: apanha-se a terceira do plural do pretérito
perfeito e eliminam-se as duas últimas letras, que são sempre "am", e
chega-se à primeira do singular do futuro do subjuntivo. Façamos a conta: vieram
- am = vier (Se/Quando eu vier); disseram - am = disser (Se/Quando eu disser);
expuseram - am = expuser (Se/Quando eu expuser); mantiveram - am = mantiver
(Se/Quando eu mantiver).
Bem,
com a primeira do singular na mão, é só continuar: se/quando eu expuser,
se/quando tu expuseres, se/quando ele expuser...; se/quando eu mantiver,
se/quando tu mantiveres, se/quando ele mantiver.
Voltemos
aos títulos para que troquemos a forma "inadequada" pela
"adequada": "Servidor que mantiver greve...";
"...afirma que, quanto menos se expuser, melhor". No caso da questão
da Unicamp, a forma inadequada é "repor", que deveria ser trocada por
"repuser".
E
qual será a razão do desvio? É simples: muitas vezes, o falante
"regulariza", ou seja, torna regulares formas que não são regulares.
É por esse processo que crianças dizem "eu sabo", "eu
consego", "eu fazi", "se eu pôr", "se eu ir
lá" etc. Quando se diz ou se escreve algo como "Servidor que manter
greve" ou "Quanto menos se expor", seguem-se os mesmos caminhos
que seguem as crianças que dizem "eu sabo", "eu fazi" ou
"se eu ir lá".
Bem,
um belo dia, as crianças aprendem que no lugar de "eu sabo" se diz
"eu sei" etc. E normalmente aprendem isso pelo uso, ou seja, aprendem
antes de ir à escola, onde lhes será dito que há verbos regulares e verbos
irregulares. Depois de uma certa idade e do contato com as modalidades cultas
da língua, deveria ocorrer o mesmo processo na flexão de outros tempos verbais,
sobretudo os do modo subjuntivo, e particularmente com verbos enjoados, como
"ver", "vir", "ter", "pôr" e
respectivas famílias. É isso.
inculta@uol.com.br
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