19
de agosto de 2012 | N° 17166QUASE PERFEITO |
Fabrício
Carpinejar e Cínthya Verri
Macumba na esquina do quarto
“Olá,
tenho 31 anos, me envolvi com um rapaz que saía de uma relação. Carinhoso e
atencioso, me fazia acreditar que estava realmente envolvido. Me sentia querida
e desejada. Um mês depois, ele reatou o relacionamento anterior. Dizia gostar
de mim e estar indeciso. Pode ele ter fingido tudo? Beijo, Janice”.
Querida
Janice,
Homem
não pensa, emenda relacionamentos. Quem pensa é a mulher, que se dispõe a morar
sozinha após longa convivência.
Separação,
para o homem, é férias. Separação, para a mulher, é luto.
Ela
faz o certo que é se recuperar da simbiose e trocar devagar os vínculos. Experimenta
uma espécie de desintoxicação da personalidade. O fim do amor não é somente
dividir os objetos e colocá-los numa caixinha, mas realizar a partilha
emocional, bem mais demorada: que consiste em refinar a memória, as virtudes e
os defeitos.
A
figura masculina tem o estranho hábito de sair de um casamento direto para
outro. Uma prova dessa mentalidade é que confunde o nome de sua companhia com
mais frequência do que a mulher. Troca porque nunca teve tempo para absorver a
mudança.
Quando
não cola amores, rompe, namora um pouco para logo voltar atrás. O namoro ou o
caso extraconjugal seria seu período de reflexão.
Foi
o que aconteceu. Ele espiou a vida lá fora com você, se valia a pena permanecer
ou não com a antiga namorada.
Seu
rapaz encantador, portanto, não fingiu. Nem cabe se sentir usada – ele não agiu
com deliberada consciência.
Realmente
arriscou uma nova combinação, foi feliz, mas faltou solidão (que gera independência)
para superar a vida passada.
Eu
pensaria diferente: não foi você que ele não escolheu, ele nunca abandonou a ex.
Estava sob o domínio dos hábitos e fetiches anteriores. Era um intervalo, não
um recomeço.
Evite
partidos que recém se separaram. É casca grossa: deve ter estômago para
aguentar as macumbas na esquina e as assombrações no quarto.
Abraço
com toda ternura,
Fabrício
Carpinejar
Querida
Janice,
A
maior fonte de alegria para uma pessoa é outra pessoa. Quem me disse isso foi
Vicente Cecim, querido amigo e escritor. Penso nisso quando leio sua carta e
percebo tanta saudade do que sentiu durante essa relação. Foram intensos e
caros momentos. Estiveram envolvidos de maneira sincera. Quando a paixão é plena,
ela não sabe ser unilateral. Ninguém sente isso sozinho.
Disse
que ele era encantador, mas quem é ensolarado brilha para todos. Nunca houve
exclusividade na ternura e o eco atrai fantasmas: talvez você desconfiasse
dessa generosidade de afeto; e a insegurança cresce com a ausência.
Você
queria que ele fosse seu. Ele foi, mas isso parece não bastar. Você se sente
enganada; traída pelo futuro que ele quis diferente. Está faltando compreender
que a guerra não exclui a paz.
Ele
saía de uma relação complexa e anterior. Isso não era segredo. Nem é mistério
para ninguém a força que o hábito exerce sobre nós: como é difícil mudarmos
nossos costumes! Montamos a cozinha como era a de nossa mãe. Acordamos um dia,
e os panos de prato estão na terceira gaveta. O que não é pensado acaba
repetido.
É uma
questão econômica. Há toda uma rede de adaptação envolvida: alto investimento é
feito quando nos unimos com alguém. Essa estrutura cobra seu preço na hora da
separação. Quanto maior o tempo, mais caro sai. Não que seja impossível, nada é;
nem que não seja necessário, muitas vezes é a única maneira.
Chegou
a sua vez de ir adiante. Leve na mala a sua competência de gostar, ela está comprovada.
O resto fica por conta do acaso.
Beijos
meus,
Cínthya
Verri
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