14 de agosto de 2012 |
N° 17161
FABRÍCIO CARPINEJAR
A voz do aeroporto e da
rodoviária
A voz do aeroporto é feminina, a
voz da rodoviária é feminina. Já reparou na coincidência? Elas vivem nos
avisando do tempo do trajeto, das escalas, do portão, esclarecendo dúvidas,
organizando as filas.
Os pontos de embarque não
poderiam apresentar um timbre masculino. Homem não sabe se despedir: ele
desaparece, prefere não mais falar a explicar suas fraquezas. Lida mal com o
sofrimento. Decide sumir a ser rejeitado.
Resmunga, não chora. Muda de
assunto, não chora.
Você nunca vê seu pai em prantos
porque ele engole as lágrimas. Você nunca enxerga seu marido se emocionando
porque ele vai para outra sala controlar a respiração.
As chamadas do aeroporto e da
rodoviária não poderiam vir de um homem. Não traria calma, mas apreensão de
acidente.
Já com a voz feminina, existe uma
empatia de nascença. É uma aspirina para os ouvidos, conto de fadas para
dormir, eco do ventre. A conexão pode estar atrasada cinco horas e o tom é de
tranquilidade maternal. Não provoca nenhuma inquietude, converte a espera em
vantagem de leitura e solidão.
Homem é trágico, objetivo. Mulher
é esperançosa, compreensiva.
Homem vai direto ao ponto, mulher
deseja conversar acima de tudo.
Quando uma locutora aponta que o
voo ou o ônibus não irá sair no horário, conquista o perdão fulminante.
Deduzimos que ela fez o possível. Perante um locutor, antecipamos que ele quer
nos enganar e está escondendo informações.
É como se o aeroporto e a
rodoviária fossem um altar. É natural o atraso da noiva, é uma afronta o atraso
do noivo.
Homem não poderia estar mesmo nos
microfones dos locais de partida.
Ele ordena, não consegue pedir
como a mulher.
Ele determina, não consegue
indicar como a mulher.
Ele castiga, não consegue
defender como a mulher.
Ele manda, não consegue partilhar
como a mulher.
A voz do rodeio é masculina,
assim como voz do estádio e a voz do presídio. Vozes da multidão. Vozes
impessoais. Vozes arrogantes. Vozes paternais.
Já a voz da mulher se dirige para
cada passageiro ainda que seja para todos. É um recado compassivo, uma mensagem
individual.
Elas dizem adeus como se fosse um
até logo. Não dá para acreditar que seja o fim.
Por isso, o homem nunca confia
que o relacionamento acabou. Sempre pensa que haverá um jeito de voltar.
É culpa da voz do aeroporto e da
rodoviária.
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