quarta-feira, 29 de agosto de 2012


Antonio Prata

Na maciota

 Passei os últimos 7 dias com um Nike Air, tão aprazível às juntas quão desagradável à visão, diz minha mulher

NO MEIO da adolescência, tendo em vista uma maior valorização de minha pessoa pelo sexo oposto, resolvi implementar algumas melhorias no layout e abri mão do conforto em nome da estética. Troquei os moletons pelos jeans, aposentei o relógio com joguinho e, mais difícil, abandonei os deliciosos tênis esportivos, passando a usar calçados com proposta:

All Stars, Adidas vintage, Pumas invocados, sapatênis e outros modelos cheios de conceito e sem nenhuma tecnologia de entressola. Foram 20 anos castigando as juntas em nome do coração, batendo os calcanhares contra a rígida crosta terrestre, só para tentar me mostrar um pouquinho mais atraente às mulheres -o que a gente não faz por amor?

Não sei se foi o aprimoramento de minha "identidade visual" -como dizem os publicitários-, o amadurecimento interior, o curso natural da vida ou tudo isso junto, só sei que funcionou. Longe de ter me tornado um Don Juan das Perdizes, mas consegui perder a virgindade (para nunca mais encontrá-la -pelo menos não em mim), tive algumas namoradas, depois casei.

E foi uma sensação de comezinha plenitude, uma cotidiana paz interior que me levou, semana passada, de volta aos tênis esportivos. Depois de duas décadas sem moleza -literalmente-, passei os últimos sete dias calçando um Nike Air de corrida, cinza e amarelo, tão aprazível às juntas quão desagradável à visão -segundo minha mulher.

Ela está preocupada: não só com a feiura desses tênis, de cores berrantes e cheios de faixas refletoras -desenhados mais para impedir um atropelamento na beira da estrada do que, digamos, para serem exibidos no Spot-, mas com o que virá depois. Moletom? Roupão aos domingos? Bigode? Pijama na padaria? Rider, Deus do céu?!

Ontem, minha irmã me ligou. Sempre defensora da elegância e solidária à minha mulher, queria saber dos detalhes. "É dos coloridos?", "Não, não, branco é pior ainda!", "Cê usa como, com jeans? Sei... E a meia, de que cor? Nossa...", "E se você usasse só dentro de casa?", "Eu tô falando é pelo seu bem!", "Tá, pela Julia, então! Pensa na Julia! Cê acha que é legal ela se arrumar toda e sair por aí com um marido de tênis de corrida?!".

Estou vivendo dias contraditórios. Sinto-me feliz e culpado, como um fumante que retoma o cigarro após anos de abstinência. Sinto-me reconfortado e aflito, como o divorciado que, fraquejando, volta ao casamento problemático. Estarei eu me libertando dos grilhões da moda ou me atolando na areia movediça da preguiça? Seria esse um movimento de independência ou apenas mais um passo em direção ao Homer Simpson que aguarda a todos os maridos depois de alguns anos de casado?

Não sei, mas acho que vale a pena insistir e ver no que dá. A cada dia, caminhando pela calçada, dando aquela corridinha para atravessar a rua ou mesmo parado, numa fila, passando o peso de uma perna para outra, tenho mais certeza de minha opção.

Do pó viemos e ao pó voltaremos: que possamos ao menos, entre o corpo e a terra, colocar os anteparos necessários para amaciar a jornada. A vida já é curta, meus amigos, não precisa ser dura também. E que venha o moletom! (Brincadeira, amor, brincadeira...)

antonioprata.folha@uol.com.br

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