Antonio
Prata
Na maciota
Passei os últimos 7 dias com um Nike Air, tão
aprazível às juntas quão desagradável à visão, diz minha mulher
NO
MEIO da adolescência, tendo em vista uma maior valorização de minha pessoa pelo
sexo oposto, resolvi implementar algumas melhorias no layout e abri mão do
conforto em nome da estética. Troquei os moletons pelos jeans, aposentei o relógio
com joguinho e, mais difícil, abandonei os deliciosos tênis esportivos,
passando a usar calçados com proposta:
All
Stars, Adidas vintage, Pumas invocados, sapatênis e outros modelos cheios de
conceito e sem nenhuma tecnologia de entressola. Foram 20 anos castigando as
juntas em nome do coração, batendo os calcanhares contra a rígida crosta
terrestre, só para tentar me mostrar um pouquinho mais atraente às mulheres -o
que a gente não faz por amor?
Não
sei se foi o aprimoramento de minha "identidade visual" -como dizem
os publicitários-, o amadurecimento interior, o curso natural da vida ou tudo
isso junto, só sei que funcionou. Longe de ter me tornado um Don Juan das
Perdizes, mas consegui perder a virgindade (para nunca mais encontrá-la -pelo
menos não em mim), tive algumas namoradas, depois casei.
E
foi uma sensação de comezinha plenitude, uma cotidiana paz interior que me
levou, semana passada, de volta aos tênis esportivos. Depois de duas décadas
sem moleza -literalmente-, passei os últimos sete dias calçando um Nike Air de
corrida, cinza e amarelo, tão aprazível às juntas quão desagradável à visão -segundo
minha mulher.
Ela
está preocupada: não só com a feiura desses tênis, de cores berrantes e cheios
de faixas refletoras -desenhados mais para impedir um atropelamento na beira da
estrada do que, digamos, para serem exibidos no Spot-, mas com o que virá depois.
Moletom? Roupão aos domingos? Bigode? Pijama na padaria? Rider, Deus do céu?!
Ontem,
minha irmã me ligou. Sempre defensora da elegância e solidária à minha mulher,
queria saber dos detalhes. "É dos coloridos?", "Não, não, branco
é pior ainda!", "Cê usa como, com jeans? Sei... E a meia, de que cor?
Nossa...", "E se você usasse só dentro de casa?", "Eu tô falando
é pelo seu bem!", "Tá, pela Julia, então! Pensa na Julia! Cê acha que
é legal ela se arrumar toda e sair por aí com um marido de tênis de corrida?!".
Estou
vivendo dias contraditórios. Sinto-me feliz e culpado, como um fumante que
retoma o cigarro após anos de abstinência. Sinto-me reconfortado e aflito, como
o divorciado que, fraquejando, volta ao casamento problemático. Estarei eu me
libertando dos grilhões da moda ou me atolando na areia movediça da preguiça?
Seria esse um movimento de independência ou apenas mais um passo em direção ao
Homer Simpson que aguarda a todos os maridos depois de alguns anos de casado?
Não
sei, mas acho que vale a pena insistir e ver no que dá. A cada dia, caminhando
pela calçada, dando aquela corridinha para atravessar a rua ou mesmo parado,
numa fila, passando o peso de uma perna para outra, tenho mais certeza de minha
opção.
Do pó
viemos e ao pó voltaremos: que possamos ao menos, entre o corpo e a terra,
colocar os anteparos necessários para amaciar a jornada. A vida já é curta,
meus amigos, não precisa ser dura também. E que venha o moletom! (Brincadeira,
amor, brincadeira...)
antonioprata.folha@uol.com.br
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