22
de agosto de 2012 | N° 17169
JOSÉ
PEDRO GOULART
Piscadela
Certa
vez, brincando, provoquei o Sérgio Silva para que me convidasse para uma ponta
num filme. Dois ou três anos depois, eu nem lembrava mais do assunto, o Sérgio
ia fazer o Quase um Tango e me chamou para minha estreia mundial na frente das
câmeras. E não era uma participação qualquer, amigão, era a de um médico com
diálogo e tudo e em cena com o Marcos Palmeira! Melhor me preparar bem, pensei,
tenho problemas para decorar até o telefone de casa.
Na
véspera, ligaram-me da produção e pediram que eu separasse algumas camisas.
Escolhi duas, uma cinza e outra vermelha. Fui para a filmagem tenso,
balbuciando o texto – vou conseguir? O Sérgio me deu um abraço. Em seguida,
escolheu a camisa vermelha (“realça mais”) e me orientou para a cena, eu e o
meu colega Marcos.
A
tomada era longa, a câmera engoliu o negativo com a mesma fome com que eu
engoli minha fala. Olhei para o Sérgio Silva, e ele, acho que imaginando onde
havia se metido, quieto. Puxei-o para o canto e disse: “Mais uma”. Ele
continuava quieto, tomada longa, muito negativo, orçamento estourado. Diante
disso, apelei: “Meu cachê é mais uma tomada”. Ele riu com meu argumento –
grana, se houvesse, seria para ele, pela paciência. Piscou o olho para o
assistente e ordenou: “Prepara a câmera”.
O
filme estreou em Gramado. Dia seguinte, o debate reuniu equipe e jornalistas.
Eu ali, meio de bobeira, sentado na plateia, enquanto, na mesa, o diretor, o
produtor e o elenco falavam. Quase no fim, uma jornalista perguntou sobre o meu
papel; ela queria saber se tudo aquilo estava no roteiro ou tinha tido alguma
interferência minha, “um médico cínico, fumante e ainda por cima de camisa
vermelha num hospital”.
O
Sérgio disse que tudo estava previsto, mas a jornalista não se conformou,
queria saber “de mim” a verdade, nada menos que a verdade. Daí que eu disse o
seguinte: “A verdade é que eu não sou médico, não sou cínico, não sou fumante:
eu sou um ator”. O Sérgio riu e piscou o olho. E essa é uma das últimas
lembranças que tenho dele, uma piscadela.
Por
isso mesmo, durante o velório, não entrei para ver o corpo do Sérgio Silva
repousando no caixão semana passada. Preferi ficar com a imagem zombeteira
dele. Ali estava um sujeito que levou a vida com a seriedade que ela merece,
rindo. Segundo disse a amiga e produtora Gisele Hiltl, até nos momentos
derradeiros.
Este
depoimento é uma homenagem ao diretor e professor Sérgio Silva. Seu Anahy de
las Misiones foi aclamado em Gramado, aplaudido várias vezes em cena aberta. Os
diálogos da Araci Esteves e do Paulo José são antológicos. Aliás, o trato
afetivo do Sérgio com seu elenco era famoso, até mesmo com os figurantes.
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