CARLOS HEITOR CONY
O
preço da corrupção
RIO DE JANEIRO - Ao contrário dos Evangelhos, em que tudo
era "naquele tempo", a história que vou contar é do nosso tempo
mesmo. Um jornalista soube que o prefeito de uma cidade do interior conseguira
fazer um hospital cinco estrelas, com centro cirúrgico que o próprio alcaide,
ao inaugurá-lo, declarou que "era digno do Primeiro Mundo".
Em tempo: quando se usa essa expressão, dá-se a entender que
no Primeiro Mundo ninguém morre, ninguém tem dor de barriga ou de alma. Ledo e
ivo engano! Mas vamos lá.
O fato é que o hospital era decente mesmo, aliás, era
decentíssimo.
Sabendo que havia um glorioso quisto primeiro-mundista
encravado numa das regiões mais miseráveis do Brasil, o jornalista decidiu
assuntar. Tomou avião, ônibus, carro de boi e canoa, chegou ao paraíso
terrestre hospitalar.
E -por Júpiter!- encontrou aquilo que antigamente os
jornais, para evitar a repetição da palavra hospital, chamavam de
"nosocômio".
O centro cirúrgico podia fazer transplantes de cabeça,
tronco e membros de qualquer mortal, embora os mortais da região nem
precisassem disso.
Entrevistou o prefeito. Onde conseguira recursos para uma
obra daquelas? Verba do Ministério da Saúde? Patrocínio de um fundo de pensão?
Ajuda do Eike Batista? Do Opus Dei?
Nada disso. O prefeito disse que, desde que tomara posse,
três anos antes, não roubara nem deixara ninguém roubar. Ele descobrira que
todos os serviços da administração municipal eram terceirizados, desde a
merenda escolar até a banda (Euterpe Musical) que, todos os dias, tocava o hino
da cidade na praça principal.
Outros prefeitos pagavam de 20% a 30% de comissão aos
intermediários. Canalizou esses recursos de volta ao orçamento de que dispunha.
Deu para fazer o hospital e ainda sobrou algum.
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