12 de agosto de 2012 | N° 17159
VERISSIMO
Misto-quente ou o fim do mundo
O misto-quente é uma lição de vida.
Quem precisa de mais do que presunto, queijo e duas
torradas?
Ele pediu um misto-quente. Ela se impacientou.
– Você vai comer só isso? – Vou.
O sanduíche dela era enorme. A alface saía pelos lados. Um
molho amarelo pingava no prato. Pontas de tomate, bacon e cebola também
apareciam nas bordas. O pão era com sementes de gergelim.
O misto-quente dele era só presunto e queijo entre duas
torradas.
– O que você vai beber? – Água.
– Toma uma coca. Eu estou pagando.
– Água. – Olha, se você vai ficar assim, é melhor nem ter esta
conversa.
– Assim como? – Assim, emburrado. Se fazendo de coitadinho.
– Só porque eu pedi um misto-quente?
– Escuta. Nós não estamos brigando. Entendeu? Nós vamos só
dar um tempo. Aliás, eu vou tentar aquela bolsa no Canadá. É possível até que
eu viaje.
– Tá certo. – Pelo menos põe ketchup nesse misto-quente!
– Eu gosto assim. Simples. Sem adornos. Você sabe que existe
uma ordem religiosa que se alimenta exclusivamente de mistos-quentes? Acho que
é no Tibete. Isto que você olha com tanto desdém pode ser um dos caminhos para
Deus.
– Escuta...
– O misto-quente é uma lição de vida. Quem precisa de mais
do que isto, presunto, queijo e duas torradas? O misto-quente é a vida reduzida
ao essencial. Todo o resto é supérfluo. Vou passar a comer só misto-quente com
água. Quando você voltar do Canadá, eu talvez esteja levitando. Dizem que os
monges do Tibete não andam mais no chão. Cada um é o seu próprio helicóptero.
Tudo devido ao misto-quente.
– Eu vou pegar uma cerveja. Você quer que eu lhe traga
alguma coisa?
– Água. – Com gás? – Sem gás. Bolinha já é afetação.
- Você quer ou não quer ter esta conversa?
– O que há para conversar? Nós vamos dar um tempo, você vai
para o Canadá, eu talvez me dedique a um tratado sobre o misto-quente. Origem,
antecedentes, morfologia, simbolismo... Não há mais nada para conversar.
– Você, também, faz um drama. Não é o fim do mundo.
– Como, não é o fim do mundo? É o fim do mundo sim. Você
acaba de me dar a notícia de que um meteoro vai se chocar com a Terra.
– Que exagero. Nós vamos só dar um tempo...
– Que tempo?! Você não entendeu? É o fim do mundo. Maremoto.
Nova York arrasada. O Japão sob as águas.
– Já vi que não podemos conversar. Eu queria acabar tudo de
uma maneira civilizada, mas...
– Não existe maneira civilizada de um amor acabar. É como
pedir para você comer esse sanduíche de uma maneira civilizada. Não dá, vai
espirrar o molho, o bacon vai cair no seu colo... Vai ser um cataclismo. Amor
que não acaba em cataclismo, não era amor.
– Tá bom, tá bom. Coma o seu misto-quente, vá.
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