sábado, 11 de agosto de 2012



12 de agosto de 2012 | N° 17159
PAULO SANT’ANA

Cinzas do amor

Não sei por que me pus a lembrar por quantos incêndios passei na minha vida.

O primeiro incêndio que passei na vida, eu tinha apenas cinco anos de idade. E incendiou-se a casa de cômodos em que morava a minha família, aqui na Rua Botafogo.

Eu e meu irmão, mais moço do que eu, dormíamos no sótão da casa de madeira, que pegou fogo.

Quando vi, estava sendo salvo do incêndio pelo Antônio Giudice, que era naquele tempo fiscal da Carris e mais tarde foi vereador. Ele tinha um bigodão e o apelido de Bolinha. Arrancou a mim e ao meu irmão das chamas.

O segundo incêndio que me tocou foi o deste prédio em que estou escrevendo agora, da Zero Hora.

Faz tanto tempo, mas lembro que o incêndio atingiu a parte industrial do jornal e fomos editados durante vários dias nas oficinas do Jornal do Comércio, ali na Avenida João Pessoa.

O terceiro incêndio que me comoveu foi o do prédio da antiga TV Gaúcha, hoje RBS TV, no Morro Santa Tereza. Eu estava no prédio quando o sinistro se iniciou e nós todos, funcionários, tratamos de tentar salvar os caros equipamentos da estação.

O quarto incêndio ao meu redor faz muito tempo também que aconteceu. Eu estava dentro de um ônibus quando o coletivo colidiu com um carro-forte na Avenida Bento Gonçalves. E o ônibus pegou fogo.

Nós, os passageiros, tratamos de fugir das chamas, mesmo assim houve uns oito feridos.

O quinto e penúltimo incêndio de que fui alvo, não necessariamente pela ordem, foi no bairro Partenon, quando há muitos anos eu estava assistindo a um circo de touradas e a lona do circo começou a incendiar-se. E o fogo foi comendo a lona e as estacas que a sustentavam.

Tenho bem presente na lembrança que dois palhaços do circo foram espetaculares ao salvar dezenas de pessoas das labaredas.

Até hoje, quando ouço a expressão “o circo pegou fogo”, me ocorre a lembrança daquela tarde.

E o último e inesquecível incêndio de que fui vítima foi em Tapes, ao redor de 1965, quando meu coração se viu incendiado de amor por uma garota de apenas 15 anos de idade, mas que tinha já físico formoso e avantajado.

Nossa paixão pegou fogo, não havia argumento que a extinguisse, as chamas do amor espiritual e do desejo foram acesas em nossos corações e vivemos um dos romances mais tórridos que a cidade de Tapes até hoje já viu.

Que incêndio! Às vezes, calculo que suas chamas até hoje não se extinguiram.

Não há maior incêndio, nem o de Roma, nem o de Sodoma e Gomorra, como aquele que de repente irrompe, como as lavas de um vulcão, sobre dois corações enamorados.

A escada sublime do amor, que leva o filho do crime ao doce olhar de Jesus, num repente ascende vertiginosa aos dois corações dos namoradinhos apaixonados e os embebeda de amor.

Não há maior incêndio do que um casal tomado pela paixão.

E quase não dá para acreditar que um incêndio de amor possa vir a ser apagado se a tantos corpos de bombeiros e forças-tarefa da intriga e da inveja ele já resistiu.

Mas incrivelmente também dos incêndios de amor na maioria das vezes só restam rescaldos.

E cinzas.

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