sábado, 4 de agosto de 2012



05 de agosto de 2012 | N° 17152
PAULO SANT’ANA

Caras recordações

Quando eu era criança, todos os dias jogava bola de meia no fim de um barranco, um campinho da Chácara das Bananeiras, em Porto Alegre, ali nas proximidades de onde hoje é o Presídio Central.

Aquele lugar era agreste naquele tempo. Campos e florestas que se estendiam até o sopé do Morro da Polícia.

Eu garanto a vocês, juro que não é mentira: naquele tempo eu andava de cipó no mato junto ao morro. Não havia macacos nem leões, mas havia, sim, cipó no meio da floresta porto-alegrense.

Tinha muita pitanga naqueles matos. E havia também muitas amoras e muitos butiás.

Eu voltava para casa com os lábios e as bochechas tingidos do vermelho das pitangas.

Não sei se meus leitores conhecem, mas existem as pitangas vermelhas e as pitangas negras de tão maduras que ficam. Existem pitangas do tamanho de ervilhas, mas, acreditem, existem pitangas do tamanho de cerejas, enormes, brilhantes na sua pele quase fosforescente.

São deliciosas. E muitos homens maduros da Chácara das Bananeiras colocavam as pitangas dentro de garrafas e as curtiam na cachaça para beber mais tarde.

Belos tempos da minha vagabundagem infantil. Eu nem pressentia que a vida mais tarde seria muito séria e às vezes íngreme para mim.

Por vezes, paro e mergulho nas minhas imagens da infância. Soltava pião, corria de trave com roda de aço, jogava bilboquê, mas até hoje tenho trauma de não ter tido bicicleta na infância. Eu olhava com inveja raros guris pedalando pelos caminhos de areia que circundavam os quintais.

Como eu era inocente, acreditava em Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.

Na véspera da Páscoa, quase não dormia de nervoso, na expectativa de que o Coelhinho poria um ninho debaixo da minha cama no domingo. Claro que viriam ovos de chocolate, ovos de açúcar, ovos recheados de marzipã, muitas balas de coco e merengues. Naquele tempo, felizmente, eu não era ainda diabético.

Ocorre-me agora um fato estranho: eu não olhava para o céu, nem quando soltávamos pandorgas.

O céu fazia parte, é claro, da minha paisagem, mas eu não me fixava na sua presumível imensidão nem nos seus brilhantes e cintilantes corpos celestes noturnos.

O céu para mim naquele tempo não passava dos limites do catecismo ensinado na escola: era o lugar distante da vida aflitiva para onde iam para sempre os que praticavam o bem durante a vida.

Mas eu nem sonhava com o céu. Para que sonharia, se já tinha o meu paraíso aqui na Terra, voando de cipó a tarde inteira nas matas, a tempo de chegar ao pórtico do quintal de minha casa para ouvir as cantigas nas rodas das meninas:

Se esta rua, se esta rua
fosse minha,
Eu mandava,
eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas,
com pedrinhas de brilhante
Para quando
meu amor fosse passar.

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