05
de agosto de 2012 | N° 17152
PAULO
SANT’ANA
Caras
recordações
Quando
eu era criança, todos os dias jogava bola de meia no fim de um barranco, um
campinho da Chácara das Bananeiras, em Porto Alegre, ali nas proximidades de
onde hoje é o Presídio Central.
Aquele
lugar era agreste naquele tempo. Campos e florestas que se estendiam até o sopé
do Morro da Polícia.
Eu
garanto a vocês, juro que não é mentira: naquele tempo eu andava de cipó no
mato junto ao morro. Não havia macacos nem leões, mas havia, sim, cipó no meio
da floresta porto-alegrense.
Tinha
muita pitanga naqueles matos. E havia também muitas amoras e muitos butiás.
Eu
voltava para casa com os lábios e as bochechas tingidos do vermelho das
pitangas.
Não
sei se meus leitores conhecem, mas existem as pitangas vermelhas e as pitangas
negras de tão maduras que ficam. Existem pitangas do tamanho de ervilhas, mas,
acreditem, existem pitangas do tamanho de cerejas, enormes, brilhantes na sua
pele quase fosforescente.
São
deliciosas. E muitos homens maduros da Chácara das Bananeiras colocavam as
pitangas dentro de garrafas e as curtiam na cachaça para beber mais tarde.
Belos
tempos da minha vagabundagem infantil. Eu nem pressentia que a vida mais tarde
seria muito séria e às vezes íngreme para mim.
Por
vezes, paro e mergulho nas minhas imagens da infância. Soltava pião, corria de
trave com roda de aço, jogava bilboquê, mas até hoje tenho trauma de não ter
tido bicicleta na infância. Eu olhava com inveja raros guris pedalando pelos
caminhos de areia que circundavam os quintais.
Como
eu era inocente, acreditava em Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.
Na
véspera da Páscoa, quase não dormia de nervoso, na expectativa de que o
Coelhinho poria um ninho debaixo da minha cama no domingo. Claro que viriam
ovos de chocolate, ovos de açúcar, ovos recheados de marzipã, muitas balas de
coco e merengues. Naquele tempo, felizmente, eu não era ainda diabético.
Ocorre-me
agora um fato estranho: eu não olhava para o céu, nem quando soltávamos
pandorgas.
O
céu fazia parte, é claro, da minha paisagem, mas eu não me fixava na sua
presumível imensidão nem nos seus brilhantes e cintilantes corpos celestes
noturnos.
O
céu para mim naquele tempo não passava dos limites do catecismo ensinado na
escola: era o lugar distante da vida aflitiva para onde iam para sempre os que
praticavam o bem durante a vida.
Mas
eu nem sonhava com o céu. Para que sonharia, se já tinha o meu paraíso aqui na
Terra, voando de cipó a tarde inteira nas matas, a tempo de chegar ao pórtico
do quintal de minha casa para ouvir as cantigas nas rodas das meninas:
Se
esta rua, se esta rua
fosse
minha,
Eu
mandava,
eu
mandava ladrilhar
Com
pedrinhas,
com
pedrinhas de brilhante
Para
quando
meu
amor fosse passar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário