04
de agosto de 2012 | N° 17151
CLÁUDIA
LAITANO
Mulheres que traem
O público
não gosta de atrizes que traem. Na verdade, o público (masculino e feminino) não
gosta de mulheres que traem em geral, mas as atrizes acabam pagando o pato
porque são as traições delas que viram notícia e não as daquela sua vizinha
bonitona do quinto andar.
A
raiva é tão mais intensa quanto mais comportada for a imagem pública da atriz –
como se os fãs, e não os maridos, fossem os traídos. No final dos anos 40,
Ingrid Bergman era casada com um dentista e tinha uma filha pequena quando se
apaixonou pelo diretor italiano, também casado, Roberto Rossellini. Foi um escândalo
de proporções transcontinentais, e a atriz foi ameaçada de perder a guarda da
filha – exatamente como Anna Karenina na Rússia do século 19.
Quando
Elizabeth Taylor traiu o marido número 2 com o marido número 3 e depois o número
4 (o cantor Eddie Fischer) com o número 5 (Richard Burton), não houve grandes
imolações públicas. Mulheres como Liz Taylor, que nunca se esforçaram para
fazer o estilo esposa modelo, parecem conquistar uma espécie de imunidade
diplomática parecida com a dos homens que traem: a condenação moral, quando
existe, não é do tipo que levaria alguém a se atirar embaixo do trem.
São
as adúlteras punidas severamente – pelos outros ou por si mesmas – as que
inspiram as grandes obras-primas. A personagem que paga uma paixão proibida com
a própria vida aparece em clássicos como Tristão e Isolda, Anna Karenina,
Madame Bovary, Primo Basílio e no nosso Dom Casmurro – se adotarmos a versão de
que Capitu traiu Bentinho. A mulher que trai assusta e fascina, e se tantas
obras-primas tratam do assunto é porque o tema da traição feminina presta-se
como poucos para ilustrar o insolúvel embate entre culpa e prazer, desejo e razão,
individualismo e convenções sociais.
Mais
de 60 anos depois de Bergman, tudo parece ser permitido às mulheres – e as adúlteras
trágicas praticamente sumiram da literatura. Mas, a julgar pelo interesse
despertado pela escapada da atriz Kristen Stewart, a traição feminina continua
potencialmente desestabilizadora, como se a mulher que trai gerasse uma
instabilidade insuportável na ordem natural das coisas.
Em
uma espécie de A Letra Escarlate versão Hollywood, a atriz flagrada beijando
outro homem foi obrigada a divulgar um pedido de desculpas – e já se especula
sobre os prejuízos que o episódio pode trazer a sua carreira.
Mesmo
levando-se em conta que o casal desfeito formava um par romântico que pulou da
ficção para a realidade e era idealizado por milhões de adolescentes, a
voracidade com que o assunto foi consumido talvez revele mais sobre a dupla
moral que ainda é empregada para julgar homens e mulheres em casos de traição
do que sobre o inesgotável apetite dos sites de fofoca.
Como
no tempo de Bergman e Rossellini, a condenação foi muito mais severa para a
atriz do que para o diretor quarentão, casado e com filhos, que se envolveu com
a jovem estrela do seu filme. Pagando as próprias contas ou não, famosa ou anônima,
traindo por amor ou apenas por diversão, as mulheres que traem continuam
correndo muito mais riscos do que os homens na mesma situação.
Em
Hollywood, esses riscos podem limitar-se a um arranhão na reputação. Infelizmente,
no país em que dezenas de mulheres são agredidas todos os dias, o ciúme – com
ou sem traição – costuma arranhar muito mais do que isso.
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