03
de agosto de 2012 | N° 17150
PAULO
SANT’ANA
Médicos e coveiros
É preciso
que aprendamos com as nossas derrotas e não desaprendamos com as nossas vitórias.
Existem
muitos leitores que me escrevem implorando para que eu deixe de prever ou falar
na minha morte.
Pois
quero dizer a todos que estou atualmente apaixonado por um médico.
Confesso
que é muito melhor estar apaixonado por um médico do que por um coveiro.
Os
compositores da música popular brasileira, dos meados até o fim do século
passado, viveram um expediente clássico: alguns deles compunham suas músicas e,
antes mesmo de gravá-las, por necessidade financeira urgente, vendiam suas
composições para outras pessoas.
Noel
Rosa, talvez o maior e melhor entre todos, vendia grande parte da autoria de
suas músicas para Francisco Alves, cognominado de O Rei da Voz.
Por
isso é que em muitos selos está escrito que a autoria de inúmeras músicas é de
Noel Rosa e Francisco Alves conjuntamente.
Por
isso também é que o Brasil inteiro desconfia de que a música mais famosa do século
passado, Chão de Estrelas, seja de autoria só de Orestes Barbosa, grande poeta
da literatura carioca – e não em parceria com o próprio Sílvio Caldas, o cantor
lançador daquela página inesquecível, que mais tarde seria gravada por centenas
de outros intérpretes, o disco registra até hoje a autoria dupla.
Os
mais famosos compositores de todos os tempos vendiam suas músicas antes de gravá-las.
Não
escaparam disso dois cardeais da MPB: Cartola e Nélson Cavaquinho.
Pois
eu fiquei sabendo só agora, pela palavra da cantora Beth Carvalho, grande amiga
de Nélson Cavaquinho, que ele incrivelmente compôs um único samba em parceria
com Cartola.
Parece-me
que o título do samba foi Condenada. Nem sei se a música foi gravada, mas o
fato é que, se o foi, antes de sê-lo, um desconhecido cantava a letra e a
melodia do samba em todas as rodas boêmias da cidade, gabando-se de que eram de
sua autoria.
Até que
esse fato veio ao conhecimento de Nélson Cavaquinho, que foi ter prontamente
com Cartola. Olhem o que disse Nélson para Cartola:
– Cartola,
meu amigo. Tem um sujeito que anda cantando lá pela Mangueira aquele samba que
compus em parceria contigo, afirmando que o samba é dele. Mas não é, Cartola,
eu compus junto somente contigo.
E
Cartola, assim pressionado pelo amigo, saiu-se com esta:
– Eu
vendi a minha parte.
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