Elio
Gaspari
"Cachorrão" para a
diretoria do BC
Se o
Banco Central olhar para o 'jeitão' do banqueiro, poupará seus clientes de
muitos dissabores
O
professor Ademar Fonseca, titular de mecânica da faculdade de engenharia da PUC
do Rio, tinha o apelido de "Cachorrão". Ele deu zero a um aluno que
resolveu um problema em cinco páginas e errou a colocação da vírgula na última
conta. Quando o jovem reclamou, recebeu uma aula para toda a vida: "Uma
ponte não pode ter 8 metros ou 80 metros. Você mergulha em uma questão
complexa, depois, quando você termina, você se afasta e olha o jeitão da coisa.
Pelo jeitão você vai ver se é 8 ou 80".
A
doutora Dilma deveria criar uma "Diretoria do Cachorrão" no Banco
Central. O encarregado teria a atribuição de olhar o "jeitão" dos
banqueiros.
Em
geral, um banco quebra meses depois de o mercado saber que ele estava
"virado". Assim foi com o PanAmericano, com o Cruzeiro do Sul, com o
Lehman Brothers e assim será com o próximo. As autoridades monetárias têm
centenas de funcionários qualificados estudando os números do mercado, mas é
comum que desprezem o "jeitão" dos banqueiros. Nos Estados Unidos,
Bernard Madoff, o ilustre fundador da Nasdaq, deu um golpe de dezenas de
bilhões de dólares, apesar de ter sido denunciado sete anos antes.
Tinha
casas em Londres, Paris, Nova York e Palm Beach, jatinho e iate de US$ 7
milhões. Se "Cachorrão" soubesse disso, acreditaria na denúncia.
Richard Fuld, o responsável pela explosão do Lehman Brothers, mandara que o
elevador do prédio fosse programado para ir direto ao 33º andar quando ele
estivesse a caminho do banco. Nesse caso, "Cachorrão" pediria que
prestassem atenção na inteligência do doutor.
Um
dia Amador Aguiar (1904-1981), o maior gênio da banca brasileira, viu uma
Mercedes no estacionamento da diretoria do Bradesco. Chamou o dono e disse-lhe
que aquele tipo de carro estava fora do alcance dos funcionários da casa.
Rafael
Palladino, presidente do Banco PanAmericano, quebrado em 2010 numa operação pra
lá de esquisita, tinha um belo apartamento e uma imobiliária em Miami. Seu
diretor financeiro morava num teto de R$ 14 milhões.
Coisa
de classe média emergente se comparada com as extravagâncias do doutor Luís
Octavio Índio da Costa, dono do banco Cruzeiro do Sul, com sua carteira de 300
mil empréstimos irregulares, num total de R$ 1,3 bilhão. O magnata tem dois
helicópteros da griffe Eurocopter, com dez lugares cada, coisa de R$ 60
milhões. Isso e mais um iate de 110 pés, com cinco suítes, avaliado em R$ 30
milhões. Nas suas festas apresentavam-se Elton John, Bono Vox e Tony Bennett.
Bastava
que o Banco Central olhasse para o "jeitão" do doutor para que
acendesse a luz amarela. Acender a vermelha seria preconceito contra rico, mas
deu no que deu. "Cachorrão" chamaria o diretor de fiscalização do BC
e haveria de constrangê-lo apontando o risco que corria.
Seria
pedir demais que a "Diretoria do Cachorrão" ficasse encarregada de
recuperar pelo menos uma parte do que os clientes perdessem. As casas, barcos e
chinelos dos Madoff foram a leilão em 2010. Onze pares de cuecas entraram num
lote que saiu por US$ 1.700.
MENSALÃO
O
julgamento do mensalão promete a emoção de uma cobrança de penâlti aos 44
minutos do segundo tempo. O primeiro réu a ser julgado será o comissário José
Dirceu. O jogo começará com o relator Joaquim Barbosa marcando 1 x 0 pela
condenação. Em seguida, votarão, nesta ordem: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias
Toffoli (caso não se declare impedido), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e
Cezar Peluso. Admitindo-se que a esta altura se chegue a 5 x 2 a favor de José
Dirceu, existe a possibilidade de a absolvição de José Dirceu vir a ser
decidida já no voto de Gilmar Mendes. Se ele votar pela condenação o jogo
prossegue, com mais três votos: Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto.
PARTIR
PARA CIMA
O
comissariado petista acredita que pode "partir para cima" do Supremo
Tribunal, inclusive jogando sua militância nas ruas. É impossível prever
quantos companheiros estão dispostos a acompanhar essa palavra de ordem.
(Plateia transportada em caravanas de ônibus não conta.) Certo mesmo é que, se
fizerem isso, comprometerão o desempenho de seus candidatos nas urnas. Pior:
demarcarão uma linha divisória que poderá influenciar a política brasileira por
muitos anos. Até hoje o mensalão é um capítulo da crônica petista;
"partindo para cima" do Supremo, será seu título.
O
"JEITÃO" DOS FILIPELLI
Bruno
Filipelli casou-se na sexta-feira no castelo Odescalchi, nas cercanias de Roma.
Ele é filho do deputado Tadeu Filipelli, ex-vice-governador de Brasília na
gestão de Joaquim Roriz, defensor de emendas de que facilitam a vida de
sonegadores. Como dizia a secretária da Receita, Lina Vieira, quem paga imposto
se sente "um otário". E casa filho em festa barata.
UMA
INCRÍVEL HISTÓRIA DE AMOR
Boa
notícia para quem leu "Sussurros" ou "Tragédia de um Povo",
do historiador inglês Orlando Figes. Ele acaba de publicar "Just Send me a
Word" ("Escreva-me - Uma história de Amor e Sobrevivência no
Gulag"). Depois de ter escrito uma das melhores histórias da revolução
bolchevique e a melhor narrativa do cotidiano dos campos de prisioneiros do
comunismo, Figes achou em Moscou um baú com 2.000 cartas (37 quilos de papel).
Nelas estavam contados oito anos da paixão de Lev Mischenko por Svetlana
Ivanova.
Eles
se conheceram aos 18 anos, na Universidade de Moscou, onde estudavam física. O
pai dela era um bolchevique. Os dele foram liquidados durante a Revolução. Em
1941 Lev foi para a guerra, os alemães capturaram-no e mandaram-no para
Buchenwald.
Quando
retornou, em 1946, tomou outra cana, na construção de uma ferrovia no círculo
Ártico. As cartas foram a razão de viver dos dois. Esperavam-se, sem saber
quando se encontrariam. Trocavam poesias, Lev falava da emoção que sentia ao
ouvir trechos da "Traviata" e pedia apenas "cartas, cartas,
cartas".
Lev
foi libertado em 1954, mas não podia morar em Moscou. Viveu um ano escondido na
casa de "Sveta". Casaram-se no ano seguinte, aos 38 anos, e viveram
felizes para sempre, cultivando um círculo de amizades que remontava aos tempos
do Gulag.
Ele,
como físico no Laboratório de Raios Cósmicos, ela como pesquisadora de borracha
sintética. Figes encontrou-os em 2008. No ano seguinte Lev morreu e dois anos
depois Svetlana se foi. Estão sepultados lado a lado.
Numa
demonstração da elegância dos ingleses, o historiador Simon Montefiore ("A
Corte do Czar Vermelho") saudou o livro de Figes, apesar dele ter sujado
seu verbete derrubando livros alheios em resenhas anônimas na Amazon.
Descoberto, pôs a culpa na mulher e passou pela humilhação de reconhecer que
mentira, atribuindo sua conduta à depressão provocada pela pesquisa nas
memórias do Gulag.
O
e-book de "Just Send me a Word" está por US$ 14,99.
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