06
de junho de 2012 | N° 17092
MARTHA
MEDEIROS
Carisma e inocência
Nestes
tempos em que originalidade é mercadoria em falta, em que quase nada nos
surpreende, foi notícia fresca saber que o ator Wagner Moura iria se apresentar
com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá em dois shows promovidos pela MTV para
comemorar os 30 anos da Legião Urbana, banda de rock que embalou a adolescência
e juventude de uma geração inteira (a minha, inclusive) e que muitos consideram
como a melhor de todos os tempos.
Não
são comuns essas substituições, menos ainda quando o substituído é um sujeito
idolatrado e messiânico como Renato Russo, e muito menos ainda quando não é um
cantor profissional que assume o microfone. Alguém imagina o Robert Downey Jr. cantando
ao lado de Krist Novoselic num tributo ao Nirvana? Eu não me incomodaria se a
moda pegasse.
Wagner
Moura é vocalista de uma banda amadora chamada Sua Mãe, o que já demonstra que
não está muito interessado em lançar-se a sério no mercado fonográfico, mas o
convite não veio daí, e sim por causa da cena em que cantou Será no filme VIPs:
o personagem protagonista dava uma canja num bar, entre um golpe e outro.
Foi
o que bastou para acender a lampadinha sobre a cabeça dos idealizadores da
homenagem. É ele.
Correndo
todos os riscos que as comparações provocam, Wagner topou, e que bom que topou.
Deve ter pensado: “Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era
provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”.
Dançou
feito um possuído, incorporou maneirismos do Renato, amou a plateia como se não
houvesse amanhã e desafinou uma barbaridade sem perder o sorriso no rosto e o
olhar arrebatado. Se divertiu a valer, que é pra isso que serve a vida. Estava
vivenciando cada verso das músicas que cantava: “Quem me dera ao menos uma vez,
como a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente”.
Vibro
com os inocentes, torço pelo time deles. São pessoas que saem da sua zona de
conforto e testam-se em novos papéis sem queimar os neurônios. Nessa hora,
somos todos atores sem texto, sem direção e sem rede de segurança, agindo por
instinto e abraçando loucuras – perder tempo calculando prós e contras já é uma
maneira de dizer não.
Wagner
gosta de cantar, é fã do Legião, tem familiaridade com o palco e viu no convite
uma chance de fazer outro tipo de teatro. Não podia dar errado, mesmo com todas
as desafinações previstas. Não podia porque as coisas feitas com
espontaneidade, sem almejar algo além do momento vivido, já saem em vantagem. E
porque Renato Russo havia cantado essa pedra quase três décadas atrás: “Quem um
dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
que não existe razão?”.
Poesia.
É ela que sempre nos salva do ridículo e dá à vida uma transcendência cada vez
mais necessária.
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