WALCYR
CARRASCO
02/08/2013
17h40 - Atualizado em 02/08/2013 20h58
Meu filho
Félix
Ele
é capaz da maldade extrema. Como todo pai, torço por ele. Até os próximos
capítulos!
Quando
criei o Félix, de Amor à vida, foi uma surpresa para mim mesmo. Minha ideia
inicial era fazer uma vilã tradicional. Já havia falado com a atriz Flávia
Alessandra, uma malvada excepcional em Alma gêmea. Mas ela estava na novela da
Glória Perez. Convidei Claudia Raia, que chegou a aceitar.
Mas,
depois, ela também foi para a novela da Glória. Fiquei pensando: que atriz
seria essa vilã, capaz de jogar um bebê numa caçamba? Então, me deu um clique.
Por que não um gay cruel? Eu mesmo me assustei com a ideia. O policiamento do
“politicamente correto” é enorme para um autor.
Quando
se escreve uma novela, que atinge milhões de pessoas, a pressão é
inacreditável. Grupos exigem que se apresente um mundo perfeito. Se há um
personagem negro, tem de ser bonzinho – ou sou acusado de racismo. Se é gay,
também tem de ser do bem. Não admito o “politicamente correto”. Pessoas são
pessoas. Arrisquei. Criei o vilão gay, que vive num armário. Mas num armário
ruído por cupins. Ele desmunheca, fala maldades, é invejoso. Houve quem
dissesse que jamais seria aceito pelo público. Que os movimentos gays me
apedrejariam. Apostei.
Recentemente,
declarei que sou bissexual. Fui apedrejado por homossexuais, segundo os quais
deveria ter me declarado gay. Respondi: tive relacionamentos com várias
mulheres na minha vida, a quem amei. Seria um desrespeito a elas dizer que tudo
foi uma mentira. Simplesmente, porque não foi. Bastou isso para os jornalistas
perguntarem se a experiência bissexual foi a base da criação de Félix.
Respondi, sempre:
–
Então, para escrever um livro policial, é preciso cometer um assassinato?
Já
conheci muitas “bichas más”, como Félix. Fazem piadas. É um contínuo bullying
com quem está perto e é mais frágil. Mexem com quem engordou, está malvestido,
tem muito dourado na casa ou é pobre e “brega”. O meio gay é o mais homofóbico
que existe. As mais “pobrinhas” são chamadas de “bichas pão com ovo”. As que
praticam muita musculação, “barbies”. O ataque entre si é muitas vezes mais
cruel que o da sociedade.
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Félix
é uma pessoa tortuosa, reprimida desde a infância. O personagem já contou que
sofria bullying na escola – e quantos meninos mais frágeis não sofrem? Elegeu o
dinheiro e o poder na melhor alternativa para suprir o amor. É o fruto de um
pai repressor e de uma família que finge não perceber quem ele é. Bem... e o
resto do mundo? Aparências enganam. Já conheci casais em que o marido parece
gay. Um deles tinha sete filhos. E também homens sem o mínimo de afetação,
assumidamente gays. Aparências enganam. Como Félix, porém, existem muitos
homens casados que escondem sua condição sexual da família.
Sempre
reclamo que hoje se explica tudo pela psicologia. Não basta dizer que Félix é
fruto de um mundo repressivo. Outros também são e não atiram bebês em caçambas.
Gosto de ler San Juan de La Cruz, poeta místico espanhol do século XVI. Ele
fala dos territórios escuros da alma. Costumo dizer que, ao longo da vida, a
gente se conhece muito pouco. É como se a alma fosse um território geográfico,
onde caminhamos com uma vela na mão. Alguns buscam seus caminhos mais
luminosos.
Outros
enveredam pelas partes escuras, encontram seus próprios demônios interiores.
Félix cai em seus próprios precipícios, movido pela inveja da irmã, mais amada
pelo pai, e pelo sentimento de rejeição. E também pelo desejo de poder.
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De onde vem a maldade de Félix?
Houve
um tempo em que não acreditava na maldade humana. Mas vivo num mundo onde
pessoas são queimadas vivas em assaltos, aprendi que a crueldade existe. Félix
é sim capaz da maldade extrema. Mas paradoxalmente faz rir. É amado pelo
público, que reconhece nele a dor de uma sociedade. Admiro a interpretação de
Mateus Solano, com seu sarcasmo.
Félix
não é uma bandeira a favor ou contra os gays. Por fugir do estereótipo do
bonzinho, talvez fale de liberdade mais que qualquer personagem planejado para
dar uma boa imagem. Alguém que não é aceito, que se sente diferente desde
criança, nem sempre se torna uma vítima. Mas pode se transformar em algoz. Cada
ser humano tem o direito de escolher sua vida, desde que não prejudique o
próximo. Não há uma regra para definir quem é melhor ou pior, como exigem
tantos grupos religiosos. Embora eu sempre insista: a mensagem cristã máxima é
de aceitação.
Todo
Félix tem uma saída: ser amado.
Félix
é meu filho. Como todo pai, torço por ele. Até os próximos capítulos!
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