03
de agosto de 2013 | N° 17511
ARTIGOS
- Montserrat Martins*
Íntimo e
pessoal
Gênios
não são os que alcançam um alvo que ninguém alcançou, mas os que veem um alvo
que ninguém viu, dizia Schopenhauer. Pois essa genialidade talvez não dependa
de inteligências privilegiadas, e sim de mais sensibilidade e empatia, da
capacidade de ouvir genuinamente.
O
que pode parecer fácil mas não é, pela tendência a distorcer o que o outro diz,
antes de compreender seus reais sentimentos e pensamentos. De enquadrar no já
sabido, reduzindo fenômenos novos a velhos conhecidos, necessidade instintiva
de segurança, de saber com o que estamos lidando.
Rotulamos
para evitar o desconforto do desconhecido, pois contra o conhecido já temos
nossas defesas armadas. Ser empático, então, é antes de tudo ser capaz de
desarmar-se, despir-se de defesas, preconceitos, ideias preconcebidas, de todos
os rótulos e esquemas prévios de interpretação dos fatos. Isso é possível? Não
por acaso, a empatia é a mais complexa das capacidades humanas. Não é uma mera
postura de abertura intelectual, é também um estado emocional de sensibilidade
à outra pessoa.
“O
que há de mais íntimo e pessoal, é o que há de mais universal”, relatou um
psicólogo nos anos 80, sobre as tendências de mudanças sociais e de
comportamento. Em plena época do neoliberalismo triunfante, a previsão
desafiava a tese do “fim da História”, de que era assim mesmo e acabou.
Ele
havia detectado, no íntimo das pessoas com quem conversava, desejos de mudança
de valores, de um mundo diferente. Ao ouvir anseios por mudança, podemos
enquadrá-los em teorias, antes de ouvir o que as pessoas têm a dizer. Porque,
se ouvirmos, temos de conviver com a insegurança de não saber como compreender,
que resposta dar, como lidar com suas demandas. Foi o que aconteceu em junho
com a intelectualidade pátria, em busca de uma explicação para os fenômenos das
ruas. Muitas interpretações pejorativas, vendo ameaças a conquistas da
sociedade, ao invés do desejo de ir além.
Quais
os precedentes dos movimentos das ruas, com o que compará-los? Em Contra a
Interpretação, Susan Sontag mostra como qualquer interpretação é reducionista,
tenta “reduzir” o fenômeno a uma outra coisa. Mas, vamos lá, as comparações com
o maio de 68 na França pareciam legítimas, pelo menos num ponto: eram
manifestações contra o poder e também contra as instituições tradicionais de
contestação, já envelhecidas. Comparações inevitáveis também com a primavera
árabe de 2011 e o M-15 da Espanha: “Nossos sonhos não cabem nas urnas”, diziam,
pois não se sentiam representados pelas forças políticas tradicionais.
Mais
que comparar, cabe ouvir. O psicólogo que ouviu o “íntimo e pessoal” dissonante
dos chavões dominantes nos anos 80, Carl Rogers, também comentou que a região
onde trabalhava tinha tendências a antecipar o futuro, a Califórnia. Ele não
estava elogiando o “american way of life” da época, ao contrário, criticava o
militarismo imperialista do Bush (pai, então). Além disso, Rogers visitou a
China e voltou elogiando a participação dos chineses na sua sociedade (no livro
Sobre o Poder Pessoal, em que também escreveu um capítulo sobre a pedagogia de Paulo
Freire), em contraste com a alienação dos americanos diante dos desmandos do
poder econômico.
Não
eram observações de um revolucionário, mas de um psicólogo que gostava de ouvir
as pessoas. Ah, sim, os californianos têm um papel nas mudanças sociais, hoje.
A tecnologia de informação do Vale do Silício, na prática, está ajudando a
mudar o mundo. O íntimo e pessoal se torna cada vez mais universal – e mais
rebelde do que muitos imaginavam.
*MÉDICO
PSIQUIATRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário