01 de agosto de 2013 |
N° 17509
L. F. VERISSIMO
Compensações
Perguntaram ao escritor sulista
americano William Faulkner como ele explicava o florescimento literário havido
no sul dos Estados Unidos depois da Guerra Civil, e sua resposta foi sucinta:
“Nós perdemos”. A humilhação da derrota e o fim de um tipo de vida explicavam a
literatura que misturava nostalgia, decadência, romantismo sombrio e um certo
preciosismo “faisandé”. O estilo perdurou até autores modernos como Truman
Capote, Carson McCullers, Flannery O’Connor, Tennessee Williams e o próprio
Faulkner, e ganhou um nome: “gótico sulista”. O Sul perdeu a guerra, mas criou
um gênero.
Quando o Homero disse (se é que
disse mesmo, nada que se sabe de Homero é cem por cento certo, nem a sua existência)
que as guerras aconteciam para serem cantadas pelos poetas, não queria dizer
que a arte compensava tudo. Ou queria?
Contam que um grupo de oficiais
nazistas foi visitar o atelier do Picasso durante a ocupação de Paris e, vendo
uma reprodução do seu quadro Guernica, a dramática recriação da destruição
daquela pequena cidade pelos alemães na Guerra Civil espanhola, um deles
comentou: “Ah, foi você que fez isso, não foi?”.
Ao que Picasso teria respondido:
“Não, foram vocês que fizeram isso”. Por um tortuoso raciocínio homérico, se
poderia concluir que os alemães foram coautores da pintura. Pelo mesmo
raciocínio, louve-se a perseguição fascista na Europa pelo exílio de tantas
mentes superiores e tanto talento na América, louve-se a escravatura pela nossa
rica cultura negra e louvem-se as agruras do nosso agreste pelos bons
escritores e artistas nordestinos.
Tudo isto foi sintetizado naquela
célebre fala que deram para o Orson Welles (há quem diga que a fala foi escrita
pelo próprio Welles) no filme O Terceiro Homem, adaptado de um romance do
Graham Greene. Para justificar seu mau caráter, Welles compara a conturbada
história da Itália antes da unificação com a milenar placidez da Suíça.
Enquanto a Itália, junto com conspiradores, corruptos e canalhas, tinha
produzido alguns dos maiores gênios da humanidade, a bem-comportada Suíça só
produzira o relógio cuco.
Mas a ideia de que arte compensa
qualquer barbaridade é perigosa. Melhor dizer que os eventuais benefícios de
crimes históricos não os absolvem. São efeitos acidentais, como certos queijos
que descendem do leite estragado. E você prefere a paz que só produz o relógio
cuco ou a confusão que produz dois, três, muitos Leonardos da Vinci?
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