DANUZA
LEÃO
Não ver, não ouvir e calar
sempre
E
não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa
será sempre sua
Você
quer ser querida pelos amigos, viver sem problemas, ser daquelas pessoas que
são sempre lembradas com alegria e prazer? Em outras palavras: você quer ser
feliz? Simples: esqueça essas manias de ver, ouvir e, sobretudo, falar, e sua
vida passará a ser um mar de rosas.
Não
ouça; isso mesmo, não ouça, salvo, talvez, um pouco de música, quando estiver
no carro. Quando perceber que estão contando uma história escabrosa da área
política, vá para a janela e olhe para fora com enorme atenção.
E se
o assunto envolver a vida particular de quem quer que seja -e quanto mais
próxima a pessoa, pior-, seja drástico e finja um mal-estar súbito. Se tiver
que se explicar, diga, no máximo, que é vagotônico como era o poeta Vinicius,
doença que, aliás, já esteve muito na moda e que ninguém nunca soube muito bem
do que se tratava.
Agora,
o principal: se uma amiga -principalmente se for a que você mais adora- quiser
contar seus problemas pessoais, arranje uma desculpa, seja ela qual for, para
não ouvir: simule uma crise nervosa, diga coisas desconexas, dê uns gritos, e
se for preciso, desmaie, mesmo que esteja no meio da rua. Vale absolutamente
tudo para não assumir o papel de confidente, pois vai acabar sobrando para você
-ou estou dizendo alguma novidade?
Bem,
já falamos do primeiro ponto: não ouvir. Agora vamos ao segundo: não ver.
Quando
for a uma festa, use óculos, daqueles que os bandidos obrigam os sequestrados a
usar -com vidro negro e opaco- para não enxergar; faça essa riquíssima
experiência que é não ver absolutamente nada, a saber: quem deu um amasso em
quem, de quem é a perna enroscada debaixo da mesa que você flagrou quando foi
pegar o isqueiro que caiu no chão, ou as baixarias que costumam acontecer
quando as pessoas se descontraem, digamos assim. E se não conseguir os tais
óculos negros, não tem importância: é só passar a noite inteira de olhos
fechados -ou não sair de casa, claro.
Agora,
o terceiro ponto, muito, mas muito mais importante do que não ver e não ouvir:
não falar.
Nunca
diga nada sobre nenhum assunto, e não dê, jamais, uma só opinião sobre nada. Se
alguém diz que a couve-flor está mais cara, ouça com o ar mais sério do mundo;
se ouvir o contrário, também -e continue mudo. Não diga nada, não faça nenhuma
ponderação, não emita um único som.
Renuncie
a bancar o inteligente e fique até o sol raiar, se for preciso, de boca
fechada, que é a posição correta na vida, como você já deve ter aprendido -ou
devia.
Se
alguém mencionar a crise política e tiver uma vontade súbita de dizer alguma
coisa, morda a língua e não faça juízo a respeito de nada: nem sobre a queda
-ou a alta- do dólar, nem, sobretudo, sobre a CPI. Opinião, nem pensar.
O
maior perigo é quando sua maior amiga está passando por uma crise e pede um
conselho.
As
pessoas só querem que se diga o que elas querem ouvir, e há até quem ache que
amigo só existe para dar razão quando não se tem razão -você não sabia?
E
não tenha ilusões: diga você o que disser, contra ou a favor, no final a culpa
será sempre sua. Aprenda, mesmo que já um pouco tarde, que a sabedoria da vida
é não ver, não ouvir e calar.
O
que significa, na prática, não viver -o que é meio triste, convenhamos.
danuza.leao@uol.com.br
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