21 de maio de 2012 | 3h 07
José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
O
poder do ódio
Boa dose das decisões políticas é gestada no fígado. Para
muitos eleitores, mais grave do que não eleger seu candidato preferido é ver um
político que odeia ganhar a eleição. Votam em adversário "menos pior"
para evitar mal maior. A decisão sugere pragmatismo, mas é difícil precisar
onde termina o raciocínio e começa a racionalização - a justificativa lógica
construída após o ato feito. O voto útil nasce pingando bile.
É mais comum do que gostamos de admitir. Basta lembrar das
tardes de domingo. Quantas vezes cada um de nós ouviu um grito de prazer
escapar da janela do vizinho - quiçá da nossa - quando o time rival toma um
gol? Imperativos fazem coro com expletivos e saturam o ar de animosidade. O
futebol se alimenta de paixões devotas e ódios consagrados. Com a política é
igual. Saem as janelas e estádios, entram as redes sociais e blogs.
Por isso não convém menosprezar o poder do ódio nas
eleições. De tão decisivo, tornou-se presença obrigatória nas pesquisas de
intenção de voto. Foi revestido de circunstância para soar menos cru. A
pergunta clássica nos questionários é: "Em quais destes candidatos você
não votaria de jeito nenhum?". A causa subjacente às respostas é ojeriza,
repulsa, antipatia, mas pode chamar de rejeição.
É muito difícil um candidato ganhar as graças do eleitorado.
Mais difícil do que isso, só livrar-se da bile eleitoral. Uma vez impregnada,
não sai nem lavando. A rejeição é persistente como um pernilongo. Podemos não
lembrar por que sufragamos este, mas não esquecemos a razão pela qual não
votamos naquele. O eleitor amadurece e envelhece abraçado ao seu rancor (apud
João Antônio).
A rejeição pode inviabilizar políticos famosos e populares.
Em São Paulo há casos notórios. O mais recente é de Marta Suplicy.
A petista começa quase toda eleição que disputa como
favorita. Foi assim nas brigas pela Prefeitura em 2000 e 2008, e na corrida por
uma das duas vagas no Senado em 2010. Marta sai na frente, mas raramente
termina em primeiro lugar. Elegeu-se senadora atrás de Aloysio Nunes (PSDB), e
perdeu no segundo turno para José Serra (PSDB) em 2004 e para Gilberto Kassab
(então no DEM) em 2008. Culpa da rejeição.
Antes dela, houve Paulo Maluf (PP). Até desencantar nos
pleitos majoritários, Maluf tentou ser prefeito, presidente, governador. Por mais
eleitores que tivesse, sempre era barrado pela rejeição dos demais. Em 1992,
quando conseguiu vencer um segundo turno, pareceu ter iniciado um novo ciclo.
Mas a maré não durou e o ex-prefeito nunca mais ganhou um mata-mata. A rejeição
voltou dobrada.
Como a bile eleitoral vai influir na disputa para prefeito
de São Paulo? A pesquisa Ibope mostra que, por ora, Serra é o mais rejeitado
pelos eleitores de 7 dos outros 9 pré-candidatos. Ao menos metade dos eleitores
de Celso Russomanno (PRB), Paulinho da Força (PDT), Netinho (PC do B), Gabriel
Chalita (PMDB) e até de Soninha (PPS) diz que não votaria em Serra. Quando
elegeu-se prefeito de São Paulo, em 2004, Serra tinha apenas 15% de rejeição
(Datafolha). Hoje, segundo o Ibope, 35% dos paulistanos dizem que não votariam
no tucano de jeito nenhum.
Por causa da rejeição, Serra está mais perto de seu teto de
votos do que seus adversários diretos. Teria menos chance que os demais de
ganhar novos eleitores caso um dos seus adversários desistisse. Esse é o risco
de largar muito na frente quando se é tão conhecido quanto ele e a rejeição é
alta: há mais espaço para cair do que para subir.
As próximas pesquisas mostrarão se a trajetória do tucano
será igual à de 2004, quando largou no patamar em que está hoje, subiu e
terminou o primeiro turno com 10 pontos a mais do que quando começou a
campanha, ou se repetirá Geraldo Alckmin (PSDB) em 2008, que também começou com
cerca de 30% de intenção de voto, foi caindo, caindo e terminou quase com
metade do cacife inicial. Tudo vai depender dos adversários com menos rejeição,
se eles conseguirão sair do anonimato.
Para Fernando Haddad (PT), a única vantagem de ser tão
desconhecido é que a maioria dos eleitores de outros candidatos não sabe quem
ele é e, por isso, não pode rejeitá-lo. Mas essa taxa vai crescer à medida que
mais gente descobrir que Haddad é o candidato do PT. Ele terá mais facilidade
de assimilar a rejeição do partido do que ganhar a confiança de seus eleitores.
Conquistar o voto depende de competência, o ódio vem por inércia.
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