RUTH
DE AQUINO
Quando vamos moralizar o Poder?
Presidente
e ministros reduzirão em 30% seus salários, “para dar o exemplo”. Apertarão
seus próprios cintos, cortarão na própria carne. Isso acontecerá longe daqui,
na França. Será a primeira medida do governo socialista de François Hollande. Não
resolve a crise francesa. Mas carrega um tremendo simbolismo. São 34 novos
ministros neste governo que já começarão ganhando um terço a menos que seus
antecessores.
E não
é só isso.
A
equipe do governo – 17 homens e 17 mulheres – assinou um texto de duas páginas
que lista seus “deveres”. O texto é público. Foi divulgado pelo jornal Le Monde
na quinta-feira. Alguns itens seriam muito bem-vindos no Brasil. A ideia geral é
afastar qualquer suspeita de conflito de interesse e acabar com essa mistura
desavergonhada entre o público e o privado.
O código
de conduta de Hollande obriga ministros a renunciar a postos executivos
anteriores a sua nomeação no governo. Inclui também a recusa a todos os
convites particulares, de empresários ou amigos influentes. E a devolução de
qualquer presente com valor superior a € 150 (R$ 375). O texto desce a detalhes
do dia a dia, como o meio de transporte: em trajetos inferiores a três horas,
ministros terão de usar o trem.
Mais
regras. Os ministros terão de confiar “a gestão de seu patrimônio a um
procurador”. Isso impede que tirem proveito de informações confidenciais do
mercado para enriquecer ilicitamente. Na hipótese de uma viagem pessoal e
familiar, serão obrigados a “se abster de aceitar convites de governos
estrangeiros ou de pessoas físicas ou jurídicas cuja atividade tenha relação
com sua pasta ministerial”.
Deverão
renunciar a “qualquer participação num organismo, mesmo aqueles sem fins
lucrativos, cuja atividade seja de interesse a seu ministério”. Os ministros
também estão proibidos de “qualquer intervenção que envolva a situação de um
parente ou amigo próximo”. Nada de nepotismo e tráfico de influência, em bom
português.
Deveríamos,
como os franceses, enfrentar os desvios e abusos que desmoralizam nossos
governantes
O
documento lembra a toda a equipe – incluindo presidente, primeiro-ministro e
ministros – que “só as despesas diretamente ligadas ao exercício de suas funções
podem ser pagas pelo Estado”. Uma das regras provocaria um auê no Brasil: “À exceção
de uma circunstância específica que exija uma escolta de motocicletas, os
deslocamentos dos ministros em carros terão de respeitar as regras de trânsito
normais, que se aplicam a qualquer cidadão”. No Brasil, helicópteros estão
sempre à disposição de políticos que não fazem ideia da angústia que é ficar
preso num engarrafamento.
Uau!
Humilhante, não, excelentíssimos políticos brasileiros. Para que fui me meter
na política, fiz concessões absurdas, contrariei princípios, gastei rios de
dinheiro em campanha, comprei votos, para, no final, ser despido de meus privilégios
de senhor da casa-grande e senzala? Que terrível deve ser a vida do homem comum.
As
regras do “Estado imparcial” prometido por François Hollande foram criadas com
um objetivo: dar satisfação aos cidadãos que exigem transparência do poder público.
O texto foi chamado de “código de deontologia”.
Uma
palavra pouco conhecida, que vem do grego. “Deon” significa “dever, obrigação”.
Por isso, a deontologia é conhecida como a Teoria do Dever. Mas é sobretudo o
dever moral, da consciência de cada um. É a ética individual, que leva alguém,
político ou não, a fazer algumas escolhas na vida.
No
Brasil, num momento histórico em que se discute a Comissão da Verdade, deveríamos
ter a mesma coragem para enfrentar os desvios, os abusos e a falta de bons
modos que desmoralizam governadores, prefeitos, ministros e congressistas. O
Executivo deu um bom exemplo na quinta-feira: Dilma mandou divulgar os salários
dos servidores do governo federal, com base na Lei de Acesso à Informação Pública.
Chega de torturar a verdade, tornando-a secreta. Vamos moralizar o Poder.
O
Legislativo e o Judiciário não gostaram da ideia. Sarney, presidente vitalício
do Senado, ficou sem fala nem ação. Marco Maia, presidente da Câmara, também. Carlos
Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, se juntou ao bloco dos
temerosos. Eles acham que expor os salários à nação pode ferir a intimidade e a
segurança dos servidores. Contem outra.
O
decreto do Executivo é claro. Devem ser revelados os ganhos de todos os
ocupantes de cargos públicos. E isso inclui aquele manancial de benefícios
conhecidos: “auxílios, ajudas de custo, jetons, vantagens, pensões e
aposentadorias de quem continua na ativa”. Verba para combustível, passagem aérea,
moradia, correio, escritório, diárias de viagem e não sei mais o quê. Uma caixa-preta
mantida até hoje sob sigilo. Por vergonha, será?
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