CARLOS
HEITOR CONY
O túmulo e o sanduíche
RIO
DE JANEIRO - Uma semana em Nova York e paguei dois tributos de visitante classe
média: um bom espetáculo na Broadway, com "Porgy and Bess", montado
por um extraordinário elenco negro, a música de Gershwin sendo ainda a melhor
trilha musical para a cidade; e uma comprida visita às obras do Marco Zero,
onde está sendo finalizado o memorial das 2.983 vítimas do atentado de 11 de
setembro que derrubou as duas torres do World Trade Center.
Sobre
o musical de Gershwin escreverei mais tarde, no caderno "Ilustrada". Valeu
a pena, em todos os sentidos, como espetáculo em si e como obra de arte.
Quanto
ao memorial, minha reação foi estranha. Apreciei o esforço da cidade em erguer
um espaço monumental tecnicamente perfeito, aproveitando inclusive a
oportunidade de melhorar urbanisticamente aquele confuso trecho do sul de
Manhattan.
Já visitei,
mundo afora, alguns locais históricos, as esplanadas de Hiroshima e Nagasaki,
as ruínas de Massada, só não vou me meter a besta para ver os destroços que
ainda restam do "Titanic" no fundo do mar.
O
memorial do Marco Zero será sem dúvida uma façanha, cheia de boas intenções e
algumas soluções estéticas apreciáveis. Mas há alguma coisa de sinistro naquele
local, sobretudo quanto ao aspecto comercial do empreendimento. Em Hiroshima e
Nagasaki e em Massada, sobretudo, a emoção fica por conta das tragédias que ali
aconteceram.
No
memorial do 11 de Setembro está sendo criado um grande e assombroso shopping. Na
visita que fiz, havia uma senhora lendo para quem quisesse ouvir, o seu
protesto de mãe e cidadã: "Aqui está enterrado meu filho único, cujo corpo
nunca foi encontrado. Será doloroso para mim saber que muitos jovens virão
comer sanduíches do McDonald's em cima do túmulo dele".
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