27
de maio de 2012 | N° 17082
ARTIGOS
- Cláudio Brito*
Toda torta
Invertida,
errada, esquisita, toda torta.
Assim
nasceu e se arrasta a CPI mista que pretende desvendar ao país as falcatruas
cometidas pela quadrilha do Cachoeira. Alguns dos deputados e senadores
integrantes da comissão querem mesmo a exposição ao silêncio constitucional dos
acusados, em troca de alguns minutos de pretensa brilhatura verborrágica ante
as câmeras e os microfones.
Já é
antiga a estratégia de se fazer da sala das audiências e sessões um palanque reservado
à promoção pessoal. Se o propósito for o de fazer espetáculo, passar por
engraçadinho algumas vezes, arrancar sorrisos e merecer algum espaço nos
jornais impressos ou virtuais, então estarão no lucro alguns dos pretensiosos.
Contribuição à finalidade verdadeira de uma CPI, nenhuma.
Instrumento
que deveria servir para o engrandecimento da atividade parlamentar, confirmação
de um conjunto de prerrogativas de que são detentores os representantes eleitos
pelo povo, as comissões de inquérito têm se prestado ao desencanto e à certeza
da impunidade. Não por sua natureza, que foi concebida para apurar a verdade de
fato determinado em prazo certo, mas pela distorção praticada por seus
integrantes. Em todas as CPIs, infelizmente.
Começar
uma investigação parlamentar pelo exame e repetição de conteúdo de inquéritos
policiais ou investigações realizadas pelo Ministério Público é a inversão mais
gritante. O roteiro singelo a ser seguido está escrito com clareza suficiente
na Constituição Federal.
Ali,
sem margem à dúvida, a ordem dos trabalhos estabelece que o Ministério Público
será o destinatário das conclusões da CPI. Tentou-se fazer o contrário, com a
estranha e descabida convocação do procurador-geral da República para explicar
o que fizera ou deixara de fazer com as informações que detinha, oriundas de
operações da Polícia Federal. Tudo sobre exatamente os mesmos fatos que a CPI
mista promete apurar.
A
rigor, a CPI do Ca-choeira tem demonstrado sua desnecessidade. Já estão no
Supremo Tribunal Federal todas as gravações de interceptações telefônicas,
documentos e alguns depoimentos que a Polícia Federal produziu e continua a
produzir.
O
Ministério Público tem todos os dados necessários para propor as medidas que
entender cabíveis. No tempo e no foro adequados. Querer investigar a
investigação é o disparate da CPI. Até parece que os deputados e senadores
temem o que possa conter o material já remetido à Justiça. Então, valem-se da
CPI para bisbilhotar as peças investigatórias ainda protegidas pelo sigilo.
Uma
CPI não deveria ser para se perder tempo. Uma investigação parlamentar bem
conduzida seria apenas a coleta de informações para futuros procedimentos de
outros órgãos e poderes. Não há julgamento em uma CPI. Mesmo o julgamento
político acontece em outras instâncias.
Uma
CPI não é um tribunal, nem deveria ser uma casa de espetáculos. Pena que se
fuja da finalidade real de uma CPI. Bem usada, trata-se de ferramenta
indispensável à realização da democracia, pois deve ser arma à disposição das
minorias. A nada chega uma CPI, no entanto, se apenas quer teatralizar o
roteiro que a investigação policial já traçou. Uma CPI assim nasce torta. Toda
torta.
claudio.brito@rdgaucha.com.br
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