FERREIRA
GULLAR
Às
vezes
Quando
alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: "Às vezes"
Vou
tratar hoje aqui de um assunto estritamente pessoal, mas na certeza de que, de
uma maneira ou de outra, dirá respeito a muita gente: meu nome. E basta mencioná-lo
para começar a confusão, já que são vários e, com frequência, escritos de
maneira errada, a começar pelos bancos.
Explico:
por mais que me empenhe, não consigo que, nos extratos, nos talões de cheque,
venha escrito corretamente: em vez de José de Ribamar Ferreira, vem José Ribamar
Ferreira. E isso já deu problema com o Imposto de Renda.
Ontem
mesmo, ao receber novo talão de cheques, estava lá o Ribamar sem o "de".
A
culpa, obviamente, é de meus pais que, dentre os muitos filhos que tiveram,
escolheram logo a mim para o nome do santo mais popular da cidade de São Luís: São
José de Ribamar.
No
começo, não houve problema, já que em casa me chamavam de Zeca e, na rua, de
Periquito. O problema apareceu quando me tornei poeta e passei a publicar
poemas nos jornais.
Assinava-me
Ribamar Ferreira e só então me dei conta de que muitos outros poetas eram, como
eu, também Ribamar e o usavam com seu nome literário.
Não
gostei, mas segui em frente, até que um poeta que assinava Ribamar Pereira
publicou um poema ruim, em "O Imparcial", que saiu com meu nome.
Cioso
de meu prestígio literário -praticamente inexistente-, vali-me da condição de
locutor da rádio Timbira para avisar o público em geral de que o tal poema "As
Monjas" não era da minha autoria e, sim, do senhor Ribamar Pereira.
A
partir de então, decidi mudar de nome e passei a assinar Ferreira Gullar. É que
um dos sobrenomes de minha mãe é Goulart e, eu, para evitar futuras coincidências,
mudei-lhe a grafia, certo de que não haveria ninguém com nome semelhante em
todo o planeta.
Disso
me livrei, mas não de outros equívocos. Faz algumas semanas, recebi um jornal
de uma pequena cidade do interior, anunciando a criação de um prêmio literário
Ferreira Goulart. Agradeço, sinto-me honrado, mas desconfio de que exista algum
espírito mau que se diverte em me sacanear.
Devo
admitir, no entanto, que tenho alguma culpa nesse cartório, já que, ao longo da
vida, adotei diversos nomes.
Por
exemplo, quando estava na clandestinidade e precisava ganhar a vida, assinava
artigos na imprensa alternativa com o nome de Frederico Marques (Frederico, de
Engels; e Marques, de Marx), para enganar e sacanear a repressão.
Foi
mais ou menos por essa época que o PCB me pediu que escrevesse um poema para a
campanha pela libertação de Gregório Bezerra, e fiz um cordel, que intitulei "História
de Um Valente" e assinei José Salgueiro (este, por ser o nome de minha
escola de samba preferida).
Mas
aí os militares invadiram minha casa à minha procura, prenderam a Thereza,
depois soltaram.
Decidimos
que era melhor eu ir para a União Soviética até que o processo aberto contra
mim fosse julgado. Fui e lá, no Instituto Marxista-leninista, como todos os
alunos eram clandestinos, tive de mudar de nome outra vez e passei a me chamar
Cláudio.
Acontece
que eu havia escrito, com Vianinha, o roteiro do filme "Em Família",
que foi então premiado no festival de Moscou.
E
tive que assistir à exibição, no auditório do instituto, desse filme, sem poder
dizer a ninguém que aquele Ferreira Gullar que aparecia nos créditos era eu. Fiquei
rindo para mim mesmo, no escuro.
De
Moscou, fui para Santiago do Chile; de lá, para Lima e depois para Buenos
Aires, onde vivi os derradeiros anos de meu exílio.
Naqueles
países, não precisei usar de nome falso. Finalmente, voltei para casa, fui
preso por alguns dias, mas logo me deixaram em paz.
Como
tinha sido pelo Superior Tribunal Militar, pedi, apenas por precaução, uma cópia
da sentença de absolvição e, para minha surpresa, o José de Ribamar absolvido não
era eu, era outro.
É confusão
demais, não acha?
E
outro dia, ia eu pelo calçadão da avenida Atlântica quando alguns jovens se
aproximam de mim.
-É o
Goulart de Andrade!
-Nada
disso. É o Paulo Goulart!
Por
essa e outras é que, quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar,
respondo:
"Às
vezes".
Nenhum comentário:
Postar um comentário