domingo, 13 de maio de 2012


FERREIRA GULLAR

Às vezes

Quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: "Às vezes"

Vou tratar hoje aqui de um assunto estritamente pessoal, mas na certeza de que, de uma maneira ou de outra, dirá respeito a muita gente: meu nome. E basta mencioná-lo para começar a confusão, já que são vários e, com frequência, escritos de maneira errada, a começar pelos bancos.

Explico: por mais que me empenhe, não consigo que, nos extratos, nos talões de cheque, venha escrito corretamente: em vez de José de Ribamar Ferreira, vem José Ribamar Ferreira. E isso já deu problema com o Imposto de Renda.

Ontem mesmo, ao receber novo talão de cheques, estava lá o Ribamar sem o "de".

A culpa, obviamente, é de meus pais que, dentre os muitos filhos que tiveram, escolheram logo a mim para o nome do santo mais popular da cidade de São Luís: São José de Ribamar.

No começo, não houve problema, já que em casa me chamavam de Zeca e, na rua, de Periquito. O problema apareceu quando me tornei poeta e passei a publicar poemas nos jornais.

Assinava-me Ribamar Ferreira e só então me dei conta de que muitos outros poetas eram, como eu, também Ribamar e o usavam com seu nome literário.

Não gostei, mas segui em frente, até que um poeta que assinava Ribamar Pereira publicou um poema ruim, em "O Imparcial", que saiu com meu nome.

Cioso de meu prestígio literário -praticamente inexistente-, vali-me da condição de locutor da rádio Timbira para avisar o público em geral de que o tal poema "As Monjas" não era da minha autoria e, sim, do senhor Ribamar Pereira.

A partir de então, decidi mudar de nome e passei a assinar Ferreira Gullar. É que um dos sobrenomes de minha mãe é Goulart e, eu, para evitar futuras coincidências, mudei-lhe a grafia, certo de que não haveria ninguém com nome semelhante em todo o planeta.

Disso me livrei, mas não de outros equívocos. Faz algumas semanas, recebi um jornal de uma pequena cidade do interior, anunciando a criação de um prêmio literário Ferreira Goulart. Agradeço, sinto-me honrado, mas desconfio de que exista algum espírito mau que se diverte em me sacanear.

Devo admitir, no entanto, que tenho alguma culpa nesse cartório, já que, ao longo da vida, adotei diversos nomes.

Por exemplo, quando estava na clandestinidade e precisava ganhar a vida, assinava artigos na imprensa alternativa com o nome de Frederico Marques (Frederico, de Engels; e Marques, de Marx), para enganar e sacanear a repressão.

Foi mais ou menos por essa época que o PCB me pediu que escrevesse um poema para a campanha pela libertação de Gregório Bezerra, e fiz um cordel, que intitulei "História de Um Valente" e assinei José Salgueiro (este, por ser o nome de minha escola de samba preferida).

Mas aí os militares invadiram minha casa à minha procura, prenderam a Thereza, depois soltaram.

Decidimos que era melhor eu ir para a União Soviética até que o processo aberto contra mim fosse julgado. Fui e lá, no Instituto Marxista-leninista, como todos os alunos eram clandestinos, tive de mudar de nome outra vez e passei a me chamar Cláudio.

Acontece que eu havia escrito, com Vianinha, o roteiro do filme "Em Família", que foi então premiado no festival de Moscou.

E tive que assistir à exibição, no auditório do instituto, desse filme, sem poder dizer a ninguém que aquele Ferreira Gullar que aparecia nos créditos era eu. Fiquei rindo para mim mesmo, no escuro.

De Moscou, fui para Santiago do Chile; de lá, para Lima e depois para Buenos Aires, onde vivi os derradeiros anos de meu exílio.

Naqueles países, não precisei usar de nome falso. Finalmente, voltei para casa, fui preso por alguns dias, mas logo me deixaram em paz.

Como tinha sido pelo Superior Tribunal Militar, pedi, apenas por precaução, uma cópia da sentença de absolvição e, para minha surpresa, o José de Ribamar absolvido não era eu, era outro.

É confusão demais, não acha?

E outro dia, ia eu pelo calçadão da avenida Atlântica quando alguns jovens se aproximam de mim.

-É o Goulart de Andrade!

-Nada disso. É o Paulo Goulart!

Por essa e outras é que, quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, respondo:

"Às vezes".

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