20
de maio de 2012 | N° 17075
VERISSIMO
O que move a História
Os
pais de Adolph Hitler teriam sido aconselhados a levar o menino para uma
consulta com um médico que estava revolucionando o tratamento de distúrbios
mentais, em Viena. Mas decidiram que o que o Adolphinho fazia com insetos era
normal para a idade dele e não procuraram o Dr. Freud. O resultado foi o que se
viu.
Karl
Kraus escreveu que a Viena do começo do século 20 era o campo de provas da
destruição do mundo. A derrocada do império Austro-Húngaro foi o fim de um
certo mundo, mas acho que Kraus quis dizer mais do que isto. Para ele, as
revoluções do pensamento postas em movimento na Viena da sua época trariam o
fim do longo dia do humanismo europeu que durara desde a Renascença, e o novo
século restauraria a idade das trevas.
O
encontro que não houve entre o intelectual judeu que radicalizou o estudo da
consciência e o homem que quis eliminar as duas coisas, o judeu e a
consciência, da História simboliza este prenúncio, ou esta intuição de Kraus,
sobre o século. Seria fatalmente o século do desencontro entre as duas formas
de modernidade, a que liberava o pensamento pela investigação científica e a
que o aprisionava pelo mito do estado científico.
A
questão é até onde coisas vagas como o clima intelectual de uma cidade, ou
clínicas como a maluquice de alguém, influenciam a História, ou até que ponto
uma boa terapia pediátrica teria evitado o Holocausto. A História teria sido
diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud? A ideia
do nazismo como uma anomalia patológica, como coisa de loucos, é uma ficção
conveniente que absolve boa parte da direita cristã europeia da sua
cumplicidade.
Mas
a ideia de um determinismo neutro, independente de qualquer escolha moral,
também é assustadora. Precisamos de vilões mais do que de heróis, de culpados
muito mais do que de inocentes. Nem que seja só para preservar o autorrespeito
da espécie.
O
materialismo histórico rejeita a ideia de sujeitos regendo a História e
marxistas ortodoxos reagem a qualquer sugestão de que as ideias justas venham
de um discernimento moral inato. Assim a História como um relato de mocinhos
providenciais em guerra com bandidos doentes sobra para a literatura, ou essa
categoria de ficção sentimental que é a História convencional.
Pois
gostamos de pensar que é a iniciativa humana que move a História, e que o seu
objetivo, mesmo que tarde, seja moral e justo, e que ela tenha uma cara e uma
biografia.
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