23 de maio de 2012 | N°
17078
DIANA CORSO
Com o filho nas costas
Tenho uma espécie de brincadeira comigo
mesma, um desafio pessoal, que consiste em adivinhar a idade dos bebês. Deixei
a prática clínica com crianças com certa tristeza e, assim, fico testando se
esqueci o que sabia a respeito delas. Recentemente errei feio: em viajem ao
Peru, encontrei um garotinho simpático e participativo, ao qual atribuí cinco
meses, quando tinha apenas dois.
A precoce destreza motora que me confundiu
provavelmente deve-se ao fato de que muitos bebês daquele país costumam
acompanhar as atividades da mãe enrolados num pano amarrado às suas costas.
Marsupiais, eles precisam de esforço para brotar das entranhas de tecido que os
aconchegam, mas também exigem muito de sua musculatura.
Este foi apenas um dos vários encontros que
tive com crianças, principalmente em idade pré-escolar, em Cuzco. Elas estavam
com os pais nas lojas, nas banquinhas de rua, nos restaurantes e não se
resignavam a ficar mudas, fingindo de mobília. Em geral, contribuíam com sua
alegria para o sucesso das vendas. Quando se agitavam um pouco mais, um olhar
severo, uma palavra da mãe ou do pai bastavam para limitar a exuberância, que
sinceramente não incomodava.
Aprendi nessa viagem que, para os incas,
antepassados desses pequenos, o ócio, a preguiça, figuram entre os pecados
capitais. Não me pareceu estranha essa informação, pois trata-se de um povo que
surpreende pelo bom humor com que executa suas tarefas. Trabalhar os orgulha,
não é sinônimo de servidão ou alienação.
Por isso, a presença de famílias que se
harmonizavam com o ambiente de trabalho deixou-me pensativa. É uma forma
peculiar de encarar a questão da transmissão de valores e do espaço das
crianças em uma cultura. Esses pais incutem respeito em seus filhos pelo que
fazem, mostrando-lhes que aquilo é valioso. A educação das crianças espelha o
sistema de valores dos pais: o que pensam, diferente do que dizem. Os filhos
sempre sabem a verdade.
Em nossa cultura, diferenciamos muito bem o
território dos adultos e das crianças. Para nós, o local de trabalho é
impróprio para os filhos, onde atrapalhariam e ficariam descuidados. Essas
crianças peruanas que conheci vivem seu começo longe da nossa dita sabedoria
psicológica e pedagógica. O espaço é partilhado, mas os limites e exigências
são bem claros, precisam desenvolver envergadura física e moral para tanto.
O que provam ter, por vezes, bem
mais do que as nossas. Isso dá o que pensar em termos de clichês e invenções
educativas: como os valores, as balizas são internas, refletem as convicções de
uma família, de uma cultura. O resto é só consequência.
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